domingo, janeiro 07, 2007

A lucidez perigosa - Clarice Lispector


A lucidez perigosa - Clarice Lispector



Estou sentindo uma clareza tão grande

que me anula como pessoa atual e comum:

é uma lucidez vazia, como explicar?

assim como um cálculo matemático perfeito

do qual, no entanto, não se precise.



Estou por assim dizer vendo claramente o vazio.

E nem entendo aquilo que entendo:

pois estou infinitamente maior que eu mesma,

e não me alcanço.

Além do que: que faço dessa lucidez?

Sei também que esta minha lucidez

pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes.



Pois sei que

- em termos de nossa diária

e permanente acomodação resignada à irrealidade

- essa clareza de realidade é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,

porque ela não me serve para viver os dias.

Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.

Eu consisto,

eu consisto,

amém.

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