quarta-feira, dezembro 27, 2006

Carta à Hilda - Caio Fernando Abreu


De Caio

Para Hilda Hilst


"Hildinha, a carta para você já estava escrita, mas aconteceu agora de noite um negócio tão genial que vou escrever mais um pouco. Depois que escrevi para você fui ler o jornal de hoje: havia uma notícia dizendo que Clarice Lispector estaria autografando seus livros numa televisão, à noite. Jantei e saí ventando. Cheguei lá timidíssimo, lógico. Vi uma mulher linda e estranhíssima num canto, toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo, absolutamente incrível. Era ela. Me aproximei, dei os livros para ela autografar e entreguei o meu Inventário. Ia saindo quando um dos escritores vagamente bichona que paparicava em torno dela inventou de me conhecer e apresentar. Ela sorriu novamente e eu fiquei por ali olhando. De repente fiquei supernervoso e sai para o corredor. Ia indo embora quando (veja que GLÓRIA) ela saiu na porta e me chamou: - "Fica comigo." Fiquei. Conversamos um pouco. De repente ela me olhou e disse que me achava muito bonito, parecido com Cristo. Tive 33 orgasmos consecutivos. Depois falamos sobre Nélida (que está nos States) e você. Falei que havia recebido teu livro hoje, e ela disse que tinha muita vontade de ler, porque a Nélida havia falado entusiasticamente sobre Lázaro. Aí, como eu tinha aquele outro exemplar que você me mandou na bolsa, resolvi dar a ela. Disse que vai ler com carinho. Por fim me deu o endereço e telefone dela no Rio, pedindo que eu a procurasse agora quando for. Saí de lá meio bobo com tudo, ainda estou numa espécie de transe, acho que nem vou conseguir dormir. Ela é demais estranha. Sua mão direita está toda queimada, ficaram apenas dois pedaços do médio e do indicador, os outros não têm unhas. Uma coisa dolorosa. Tem manchas de queimadura por todo o corpo, menos no rosto, onde fez plástica. Perdeu todo o cabelo no incêndio: usa uma peruca de um loiro escuro. Ela é exatamente como os seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura impressionantes. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. Talvez eu esteja fantasiando, sei lá. Mas a impressão foi fortíssima, nunca ninguém tinha me perturbado tanto. Acho que mesmo que ela não fosse Clarice Lispector eu sentiria a mesma coisa. Por incrível que pareça, voltei de lá com febre e taquicardia. Vê que estranho. Sinto que as coisas vão mudar radicalmente para mim - teu livro e Clarice Lispector num mesmo dia são, fora de dúvida, um presságio. Fico por aqui, já é muito tarde.Um grande beijo do teu Caio"

Ano Novo

Faltam poucos dias

segunda-feira, dezembro 25, 2006

Ir-se



A natureza não precisa de arte
O amor não precisa do poeta
Às vezes, é o porto que parte
E é o alvo que procura a seta

Oswaldo Montenegro - Mudar dói, não mudar dói muito

domingo, dezembro 24, 2006

Pálpebras de Neblina - Caio Fernando Abreu

Pálpebras de Neblina
Caio Fernando Abreu

Fim de tarde. Dia banal, terça, quarta-feira. Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura. Projeções: e amanhã, e depois? e trabalho, amor, moradia? o que vai acontecer? Típico pensamento-nada-a-ver: sossega, o que vai acontecer acontecerá. Relaxa, baby, e flui: barquinho na correnteza, Deus dará. Essas coisas meio piegas, meio burras, eu vinha pensando naquele dia. Resolvi andar. Andar e olhar. Sem pensar, só olhar: caras, fachadas, vitrinas, automóveis, nuvens, anjos bandidos, fadas piradas, descargas de monóxido de carbono. Da praça Roosevelt, fui subindo pela Augusta, enquanto lembrava uns versos de Cecília Meireles, dos Cânticos: "Não digas 'Eu sofro'. Que é que dentro de ti és tu? / Que foi que te ensinaram/ que era sofrer ?" Mas não conseguia parar. Surdo a qualquer zen-budismo, o coração doía sintonizado com o espinho. Melodrama: nem amor, nem trabalho, nem família, quem sabe nem moradia - coração achando feio o não-ter. Abandono de fera ferida, bolero radical. Última das criaturas, surto de lucidez impiedosa da Big Loira de Dorothy Parker. Disfarçado, comecei a chorar. Troquei os óculos de lentes claras pelos negros ray-ban - filme. Resplandecente de infelicidade, eu subia a Rua Augusta no fim de tarde do dia Tão idiota que parecia não acabar nunca. Ah! como eu precisava tanto de alguém que me salvasse do pecado de querer abrir o gás. Foi então que a vi. Estava encostada na porta de um bar. Um bar brega - aqueles da Augusta-cidade, não Augusta-jardins. Uma prostituta, isso era o mais visível nela. Cabelo malpintado, cara muito maquiada, minissaia, decote fundo. Explícita, nada sutil, puro lugar comum patético. Em pé, de costas para o bar, encostada na porta, ela olhava a rua. Na mão direita tinha um cigarro, na esquerda um copo de cerveja. E chorava, ela chorava. Sem escândalo, sem gemidos nem soluços, a prostituta na frente do bar chorava devagar, de verdade. A tinta da cara escorria com as lágrimas. Meio palhaça, chorava olhando a rua. Vez em quando, dava uma tragada no cigarro, um gole na cerveja. E continuava a chorar - exposta, imoral, escandalosa - sem se importar que a vissem sofrendo. Eu vi. Ela não me viu. Não via ninguém, acho. Tão voltada para a própria dor que estava, também, meio cega. Via pra dentro: charco, arame farpado, grades. Ninguém parou. Eu, também, não. Não era um espetáculo imperdível, não era uma dor reluzente de néon, não estava enquadrada ou decupada. Era uma dor sujinha como lençol usado por um mês, sem lavar, pobrinha como buraco na sola do sapato. Furo na meia, dente cariado. Dor sem glamour, de gente habitando aquela camada casca grossa da vida. Sem o recurso dessas benditas levezas de cada dia - uma dúzia de rosas, uma música de Caetano, uma caixa de figos. Comecei a emergir. Comparada à dor dela, que ridícula a minha, dor de brasileiro-médio-privilegiado. Fui caminhando mais leve. Mas só quando cheguei à Paulista compreendi um pouco mais. Aquela prostituta chorando, além de eu mesmo, era também o Brasil. Brasil 87: explorado, humilhado, pobre, escroto, vulgar, maltratado, abandonado, sem um tostão, cheio de dívidas, solidão, doença e medo. Cerveja e cigarro na porta do boteco vagabundo: carnaval, futebol. E lágrimas. Quem consola aquela prostituta? Quem me consola? Quem consola você, que me lê agora e talvez sinta coisas semelhantes? Quem consola este país tristíssimo? Vim pra casa humilde. Depois, um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso. E fui. Não por nobreza: cuidar dele faria com que eu me esquecesse de mim. E fez. Quando gemeu "dói tanto", contei da moça vadia chorando, bebendo e fumando (como num bolero). E quando ele perguntou "porquê?", compreendi ainda mais. Falei: "Porque é daí que nascem as canções". E senti um amor imenso. Por tudo, sem pedir nada de volta. Não-ter pode ser bonito, descobri. Mas pergunto inseguro, assustado: a que será que se destina?

sábado, dezembro 23, 2006

Sem Ana, Blues - Caio Fernando de Abreu

Sem Ana, Blues

Quando Ana me deixou - essa frase ficou na minha cabeça, de dois jeitos - e depois que Ana me deixou. Sei que não é exatamente uma frase, só um começo de frase, mas foi o que ficou na minha cabeça. Eu pensava assim: quando Ana me deixou - e essa não-continuação era a única espécie de não continuação que vinha. Entre aquele quando e aquele depois, não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela ausência de Ana, embora eu pudesse preenchê-lo - esse espaço branco sem Ana - de muitas formas, tantas quantas quisesse, com palavras ou ações. Ou não-palavras e não-ações, porque o silêncio e a imobilidade foram dois dos jeitos menos dolorosos que encontrei, naquele tempo, para ocupar meus dias, meu apartamento, minha cama, meus passeios, meus jantares, meus pensamentos, minhas trepadas e todas essas outras coisas que formam uma vida com ou sem alguém como Ana dentro dela.Quando Ana me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de oito horas da noite, com o bilhete dela nas mãos. No horário de verão, pela janela aberta da sala, à luz das oito horas da noite podiam-se ainda ver uns restos dourados e vermelho deixados pelo sol atrás dos edifícios, nos lados de Pinheiros. Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, o último bilhete de Ana nas mãos, olhando pela janela os dourados e o vermelho do céu. E lembro que pensei agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou, e depois de algum tempo em que o telefone não tocou, e podia ser Lucinha da agência ou Paulo do cineclube ou Nelson de Paris ou minha mãe do Sul, convidando para jantar, para cheirar pó, para ver Nastassia Kinski nua, pergunrando que tempo fazia ou qualquer coisa assim, então pensei agora a campainha vai tocar. Podia ser o porteiro entregando alguma dessas criancinhas meio monstros de edifício, que adoram apertar as campainhas alheias, depois sair correndo. Ou simples engano, podia ser. Mas a campainha também não tocou, e eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um aquário, o bilhete de Ana nas mãos, sem fazer absolutamente nada além de respirar.Depois que Ana me deixou - não naquele momento exato em que estou ali parado, porque aquele momento exato é o momento-quando, não o momento-depois, e no momento-quando não acontece nada dentro dele, somente a ausência da Ana, igual a uma bolha de sabão redonda, luminosa, suspensa no ar, bem no centro da sala do apartamento, e dentro dessa bolha é que estou parado também, suspenso também, mas não luminoso, ao contrário, opaco, fosco, sem brilho e ainda vestido com um dos ternos que uso para trabalhar, apenas o nó da gravata levemente afrouxado, porque é começo de verão e o suor que escorre pelo meu corpo começa a molhar as mãos e a dissolver a tinta das letras no bilhete de Ana - depois que Ana me deixou, como ia dizendo, dei para beber, como é de praxe.
De todos aqueles dias seguintes, só guardei três gostos na boca - de vodca, de lágrima e de café. O de vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura, transparente, meio viscosa, durante as noites em que chegava em casa e, sem Ana, sentava no sofá para beber no último copo de cristal que sobrara de uma briga. O gosto de lágrimas chegava nas madrugadas, quando conseguia me arrastar da sala para o quarto e me jogava na cama grande, sem Ana, cujos lençóis não troquei durante muito tempo porque ainda guardavam o cheiro dela, e então me batia e gemia arranhando as paredes com as unhas, abraçava os travesseiros como se fossem o corpo dela, e chorava e chorava e chorava até dormir sonos de pedra sem sonhos. O gosto de café sem açúcar acompanhava manhãs de ressaca e tardes na agência, entre textos de publicidade e sustos a cada vez que o telefone tocava. Porque no meio dos restos dos gostos de vodca, lágrima e café, entre as pontadas na cabeça, o nojo da boca do estômago e os olhos inchados, principalmente às sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos nunca mais com Ana, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém diria telefone-para-você e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria sinto-falta-quero-voltar. Isso nunca aconteceu.
O que começou a acontecer, no meio daquele ciclo do gosto de vodca, lágrima e café, foi mesmo o gosto de vômito na minha boca. Porque no meio daquele momento entre a vodca e a lágrima, em que me arrastava da sala para o quarto, acontecia às vezes de o pequeno corredor do apartamento parecer enorme como o de um transatlântico em plena tempestade. Entre a sala e o quarto, em plena tempestade, oscilando no interior do transatlântico, eu não conseguia evitar de parar à porta do banheiro, no pequeno corredor que parecia enorme. Eu me ajoelhava com cuidado no chão, me abraçava na privada de louça amarela com muito cuidado, com tanto cuidado como se abraçasse o corpo ainda presente de Ana, guardava prudente no bolso os óculos redondos de armação vermelhinha, enfiava devagar a ponta do dedo indicador cada vez mais fundo na garganta, até que quase toda a vodca, junto com uns restos de sanduíches que comera durante o dia, porque não conseguia engolir quase mais nada, naqueles dias, e o gosto dos muitos cigarros se derramassem misturados pela boca dentro do vaso de louça amarela que não era o corpo de Ana. Vomitava e vomitava de madrugada, abandonado no meio do deserto como um santo que Deus largou em plena penitência - e só sabia perguntar por que, por que, por que, meu Deus, me abandonaste? Nunca ouvi a resposta.
Um pouco depois desses dias que não consigo recordar direito - nem como foram, nem quantos foram, porque deles só ficou aquele gosto de vômito, misturados, no final daquela fase, ao gosto das pizzas, que costumava perdir por telefone, principalmente nos fins-de-semana, e que amanheciam abandonadas na mesa da sala aos sábados, domingos e segundas, entre cinzeiros cheios e guardanapos onde eu não conseguia decifrar as frases que escrevera na noite anterior, e provavelmente diziam banalidades, como volta-para-mim-Ana ou eu-não-consigo-viver-sem-você, palavras meio derretidas pelas manchas do vinho, pela gordura das pizzas -, depois daqueles dias começou o tempo em que eu queria matar Ana dentro de tudo aquilo que era eu, e que incluía aquela cama, aquele quarto, aquela sala, aquela mesa, aquele apartamento, aquela vida que tinha se tornado a minha depois que Ana me deixou.
Mandei para a lavanderia os lençóis verde-clarinhos que ainda guardavam o cheiro de Ana - e seria cruel demais para mim lembrar agora que cheiro era esse, aquele, bem na curva onde o pescoço se transforma em ombro, um lugar onde o cheiro de nenhuma pessoa é igual ao cheiro de outra pessoa -, mudei os móveis de lugar, comprei um Kutka e um Gregório, um forno microondas, fitas de vídeo, duas dúzias de copos de cristal, e comecei a trazer outras mulheres para casa. Mulheres que não eram Ana, mulheres que jamais poderiam ser Ana, mulheres que não tinham nem teriam nada a ver com Ana. Se Ana tinha os seios pequenos e duros, eu as escolhia pelos seios grandes e moles, se Ana tinha os cabelos quase louros, eu as trazia de cabelos pretos, se Ana tivesse a voz rouca eu a selecionava pelas vozes estridentes que gemiam coisas vulgares quando estávamos trepando, bem diversas das que Ana dizia ou não dizia, ela nunca dizia nada além de amor-amor ou meu-menino-querido, passando dos dedos da mão direita na minha nuca e os dedos da mão esquerda pelas minhas costas. Vieram Gina, a das calcinhas pretas, e Lilian, a dos olhos verdes frios, e Beth, das coxas grossas e pés gelados, e Marilene, que fumava demais e tinha um filho, e Mariko, a nissei que queria ser loura, e também Marta, Luiza, Creuza, Júlia, Débora, Vivian, Paula, Teresa, Luciana, Solange, Maristela, Adriana, Vera, Silvia, Neusa, Denise, Karina, Cristina, Marcia, Nadir, Aline e mais de 15 Marias, e uma por uma das garotas ousadas da Rua Augusta, com suas botinhas brancas e minissaia de couro, e destas moças que anunciam especialidades nos jornais. Eu acho que já vim aqui uma vez, alguma dizia, e eu falava não lembro, pode ser, esperando que tirasse a roupa enquanto eu bebia um pouco mais para depois tentar entrar nela, mas meu pau quase nunca obedecia, então eu afundava a cabeça nos seus peitos e choramingava babando sabe, depois que Ana me deixou eu nunca mais, e mesmo quando meu pau finalmente endurecia, depois que eu conseguia gozar seco ardido dentro dela, me enxugar com alguma toalha e expulsá-la com um cheque cinco estrelas, sem cruzar ¿ então eu me jogava de bruços na cama e pedia perdão à Ana por traí-la assim, com aquelas vagabundas. Trair Ana, que me abandonara, doía mais que ela ter me abandonado, sem se importar que eu naufragasse toda noite no enorme corredor de transatlântico daquele apartamento em plena tempestade, sem salva-vidas.
Depois que Ana me deixou, muitos meses depois, veio o ciclo das anunciações, do I Ching, dos búzios, cartas de Tarot, pêndulos, vidências, números e axés ¿ ela volta, garantiam, mas ela não voltava - e veio então o ciclo das terapias de grupo, dos psicodramas, dos sonhos junguianos, workshops transacionais, e veio ainda o ciclo da humildade, com promessas à Santo Antônio, velas de sete dias, novenas de Santa Rita, donativos para as pobres criancinhas e velhinhos desamparados, e veio depois o ciclo do novo corte de cabelos, da outra armação para os óculos, guarda-roupa mais jovem, Zoomp, Mister Wonderful, musculação, alongamento, yoga, natação, tai-chi, halteres, cooper, e fui ficando tão bonito e renovado e superado e liberado e esquecido dos tempos em que Ana ainda não tinha me deixado que permiti, então, que viesse também o ciclo dos fins de semana em Búzios, Guarajá ou Monte Verde e de repente quem sabe Carla, mulher de Vicente, tão compreensiva e madura, inesperadamente, Mariana, irmã de Vicente, transponível e natural em seu fio dental metálico, por que não, afinal, o próprio Vicente, tão solícito na maneira como colocava pedras de gelo no meu escocês ou batia outra generosa carreira sobre a pedra de ágata, encostando levemente sua musculosa coxa queimada de sol e o windsurf na minha musculosa coxa também queimada de sol e windsurf.
Passou-se tanto tempo depois que Ana me deixou, e eu sobrevivi, que o mundo foi se tornando ao poucos um enorme leque escancarado de mil possibilidades além de Ana. Ah esse mundo de agora, assim tão cheio de mulheres e homens lindos e sedutores interessantes e interessados em mim, que aprendi o jeito de também ser lindo, depois de todos os exercícios para esquecer Ana, e também posso ser sedutor com aquele charme todo especial de homem-quase-maduro-que-já-foi-marcado-por-um-grande-amor-perdido, embora tenha a delicadeza de jamais tocar no assunto. Porque nunca contei à ninguém de Ana. Nunca ninguém soube de Ana em minha vida. Nunca dividi Ana com ninguém. Nunca ninguém jamais soube de tudo isso ou aquilo que aconteceu quando e depois que Ana me deixou.Por todas essas coisas, talvez, é que nestas noites de hoje, tanto tempo depois, quando chego do trabalho por volta das oito horas da noite e, no horário de verão, pela janela da sala do apartamento ainda é possível ver restos de dourados e vermelhos por trás dos edifícios de Pinheiros, enquanto recolho os inúmeros recados, convites e propostas da secretária eletrônica, sempre tenho a estranha sensação, embora tudo tenha mudado e eu esteja muito bem agora, de que este dia ainda continua o mesmo, como um relógio enguiçado preso no mesmo momento - aquele. Como se quando Ana me deixou não houvesse depois, e eu permanecesse até hoje aqui parado no meio da sala do apartamento que era o nosso, com o último bilhete dela nas mãos. A gravata levemente afrouxada no pescoço, fazia e faz tanto calor que sinto o suor escorrer pelo corpo todo, descer pelo peito, pelos braços, até chegar aos pulsos e escorregar pela palma das mãos que seguram o último bilhete de Ana, dissolvendo a tinta das letras com que ela compôs palavras que se apagam aos poucos, lavadas pelo suor, mas que não consigo esquecer, por mais que o tempo passe e eu, de qualquer jeito e sem Ana, vá em frente. Palavras que dizem coisas duras, secas, simples, arrevogáveis. Que Ana me deixou, que não vai voltar nunca, que é inútil tentar encontrá-la, e finalmente, por mais que eu me debata, que isso é para sempre. Para sempre então, agora, me sinto uma bolha opaca de sabão, suspensa ali no centro da sala do apartamento, à espera de que entre um vento súbito pela janela aberta para levá-la dali, essa bolha estúpida, ou que alguém espete nela um alfinete, para que de repente estoure nesse ar azulado que mais parece o interior de um aquário, e desapareça sem deixar marcas.

quarta-feira, novembro 15, 2006

A paixão segundo GH - Clarice Lispector


Título: A Paixão Segundo G.h.

Autor: Lispector, Clarice

Editora: Rocco






Sinopse:
Romance original, desprovido das características próprias do gênero, A paixão segundo G.H. conta, através de um enredo banal, o pensar e o sentir de G.H., a protagonista-narradora que despede a empregada doméstica e decide fazer uma limpeza geral no quarto de serviço, que ela supõe imundo e repleto de inutilidades. Após recuperar-se da frustração de ter encontrado um quarto limpo e arrumado, G.H. depara-se com uma barata na porta do armário. Depois do susto, ela esmaga o inseto e decide provar seu interior branco, processando-se, então, uma revelação. G.H. sai de sua rotina civilizada e lança-se para fora do humano, reconstruindo-se a partir desse episódio. A protagonista vê sua condição de dona de casa e mãe como uma selvagem. Clarice escreve: “Provação significa que a vida está me provando. Mas provação significa também que estou provando. E provar pode ser transformar numa sede cada vez mais insaciável.”
Análise:
A Jornada pelo Autoconhecimento no livro "A Paixão Segundo G.H.", de Clarice Lispector
Thiago Maia

"Perder-se é um achar-se perigoso". (PSGH, p. 102)

No romance "A Paixão Segundo G. H.", de Clarice Lispector, presentifica-se uma jornada de autoconhecimento. Com o dito paradoxal "Perder-se é um achar perigoso", a personagem evidencia isso ao leitor, a mão que a sustenta. Quando G. H. sai do seu mundo (a organização que ela dava aos fatos da vida) e entra no mundo (o caos informe, o desconhecido), ela perde a falsa identidade que mantinha para os outros, a personalidade reificada, para enfim construir uma nova identidade mais autêntica, na qual ela entra em contato com os seus demônios interiores, desafia as normas sociais de bom comportamento e sente-se livre, absolutamente livre.

A descoberta-se de si tem paralelo com a descoberta do mundo, por isso a inscrição no Oráculo de Delfos: "Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo". Dentro do seu casco, dentro do seu universo familiar, G. H. se mantinha dentro dos limites de uma vida artificial, sem o contato íntimo com o seu "Eu profundo". Porém ao descobrir o quarto da empregada, que tinha uma organização diferente do resto da casa e gravuras estranhas na parede, G. H. inicia-se na descoberta do seu "Eu Profundo"a partir da sua relação com o Outro. Inicialmente ela rejeita a presença desse Outro, sente raiva da sua ex-empregada, mas quando descobre e amassa uma barata que estava no seu quarto, ela se sente como se estivesse penetrando numa "verdade oculta e infame". A partir dessa experiência, G. H. tem uma epifania, uma revelação despertada pelo reconhecimento da presença repentina do seu Ser em-si.

A viscosidade da barata, a sua ancestralidade, o seu caráter imundo e abjeto suscita um desejo de ir além, de penetrar no ser da barata, de descobrir a verdade da barata, que talvez fosse a verdade de si mesmo e do mundo. A personagem repensa toda a sua vida, o modo pelo qual se apresentou ao mundo, repensa o próprio Mundo e a existência. A angústia existencial perpassa todo o livro, e tal como em Sarte, há em Clarice Lispector uma afirmação da liberdade humana em meio ao absurdo da existência. Ao comer a barata G. H. afirma plenamente sua liberdade perante as normas sociais interiorizadas (o Super Ego) e perante ao Nada. Benedito Nunes já afirmava que o "desenvolvimento de certos temas importantes da ficção de Clarice Lispector insere-se no contexto da filosofia da existência, (..) partem da mesma intuição kierkegaardiana do caráter pré-reflexivo, individual e dramático da existência humana, tratando de problemas como a angústia, o nada, o fracasso, a linguagem, a comunicação das consciências".
O inferno de G. H. é justamente o de inserir profundamente no mistério da existência, refletir sobre si mesmo e sobre a vida em geral, buscando um sentido universal nessa sua experiência com a figura abjeta de uma barata. Em suma, ela busca o sentido do não-sentido. Sua personalidade fragmentária enreda-se em questões metafísicas conflitantes. Não há fronteiras nítidas entre o Eu e o Não-Eu, entre a parte e o todo. "É que eu olhara a barata viva e nela descobria a identidade de minha vida mais profunda", "Cada olho reproduzia a barata inteira". Os dois opostos são pares que se interelacionam dialeticamente. Ao comer a barata G. H. realiza a fusão do seu Eu com o ser da barata. Mais, ela inicia uma jornada rumo à uma experiência de integração entre o Eu e o mundo, entre o Ser Para-si e o Ser Em-si. Ao perder o seu Eu, G.H. encontra o "eu ser", a existência pura, que provém "de uma fonte muito anterior à humana e, com horror, muito maior que a humana". Sem o seu ego mundano, coisificado, G. H. entra e se diluí no mar da existência. A parte se perde e se acha no Todo. Realiza-se o que foi preconizado pelo Oráculo de Delfos: no seu enraizamento nos místerios da existência, na sua busca interior pelo autoconhecimento, G. H. acaba por conhecer "os Deuses e o Universo".

sábado, novembro 11, 2006

PARA UMA MENINA COMO UMA FLOR



PARA UMA MENINA COMO UMA FLOR

Vinicius de Moraes

Porque você é uma menina como uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, o que, aliás, você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.

E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano, e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre um nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, parecendo uma santa moderna, e anda lento, e fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der uma paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.

E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta e não concorda porque ele é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara-na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.

E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque vocêé a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse cantando sem voz aquele pedaço que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.

E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora - tão purinha entre as marias-sem-vergonha - a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nessas montanhas recortadas pela mão de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfrentando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações - porque você é linda, porque você é meiga e sobre tudo porque você é uma menina com uma flor.

Barata

Estava pensando, não tem como mais viver sem Clarice...
Depois de conhecer Clarice há quem consiga viver sem ela?
Não, não eu.
CLarice é arrebatadora, é um desenfreio, uma exposição do intocável...
Ela te revela, te suga, te agonia, te conforta...
Minha barata é o medo da solidão... não somente a solidão amorosa... a solidão em toda a sua ambivalência... eis também o porque o meu medo do silêncio e o porque de falar tanto...
Preciso provar do branco da barata...
Preciso...
Imputar-me-ei à solidão...
Não há como a solidão com tanto apoio...
não há...
Mas ela é possível... mas há saídas... preciso não ter saídas...
Essa é a nova luta...

sábado, outubro 28, 2006

Perto do coração selvagem - Clarice Lispector


Editora: Rocco
ISBN: 8532508103
Ano: 1999
Edição: 1
Número de páginas: 202
Acabamento: Brochura
Formato: Médio
Livro mais ousado de uma das principais escritoras da língua portuguesa do século XX. "Perto do coração selvagem" tem como personagem principal Joana, uma mulher nada comum que convive com o invisível - não tem rosto, nem história. Dela, conhece-se somente a memória.

terça-feira, outubro 24, 2006

Versos Íntimos

Versos Íntimos

Vês ! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera !
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo.
Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão que afaga é a mesma que apedreja

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga
Escarra nessa boca que te beija

Augusto dos Anjos(1884-1914)

segunda-feira, outubro 23, 2006

Mulheres Privadas



Ontem, fui ao Teatro com mais dois amigos, Sávio e Vinícius. Não pude ficar até o fim da peça, mas creio que perdi uns 15 minutos somente do espetáculo. A peça é hilária, e trata-se do universo lésbico.

Havia alguns momentos em que o humor era, de certa maneira, pedante e forçoso... no entanto, em outros momentos era extremamente interessante. Valeu muito a pena.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Casamento

Porque quando eu casar, assim que amanhecer a primeira noite, eu quero dizer à pessoa que amo, esse é o primeiro dia do resto de nossas vidas...

domingo, outubro 08, 2006

Pescaria


Lendo "Perto do Coração Selvagem" de Clarice Lispector, lembrei-me de minha infância, de quando, todos os finais de semana, eu tinha que ir para casa de meu pai.
Tenho boas lembranças de meu pai. Recordo-me de como ele procurava tornar nossa estada com ele divertida. Comíamos batata frita e tomávamos sorvete. Ele também nos ensinava a dirigir e nos levava para pescar.
Ah pescar!!!!!!!!!! Hoje senti uma vontade tremenda de pescar... não usando aqueles mulinetes chiquérrimos, mas sim uma velha e boa varinha de bambu...
Não quero pescar usando minhocas, pois elas me causam nojo. Quero, sim, um pedacinho de salame.
Queria estar com aquela pessoa, que não é os outros, nem a eles se iguala. Poderíamos pescar, e riríamos muito desse momento e o guardaríamos para sempre.
Há pouco pensei na idéia de fugacidade, na idéia de idéia, na idéia de como ser um Don Juan e também naquela idéia de que duas retas se econtram no horizonte, talvez. Olhei ao céu, as árvores e as nuvens se encontravam no muito distante, porém não pareciam se interpenetrarem....
e volto a repetir, se penso, logo desisto.

sábado, outubro 07, 2006

Lavoura Arcaica

Lavoura Arcaica
Raduan Nassar
ISBN: 8571640335
Editora: CIA DAS LETRAS
Número de páginas: 204
Encadernação: Brochura
Edição: 1989



Sinopse:


Lavoura arcaica narra em primeira pessoa a história de André, que se rebela contra as tradições agrárias e patriarcais impostas por seu pai e foge para a cidade, onde espera encontrar uma vida diferente da que vivia na fazenda de sua família. Quando é encontrado em uma pensão suja em um vilarejo, por seu irmão Pedro passa a contar-lhe, de forma amarga, as razões de sua fuga e do conflito contra os valores paternos.
Sem ordem cronológica, André faz uma jornada sensível à sua infância, que contrapõe os carinhos maternos e os ensinamentos do pai. Este valoriza acima de tudo o tempo, a paciência, a família e a terra. Mas André não aceita esses valores. Ele tem pressa, quer ser o profeta de sua própria história e viver com intensidade incompatível com a lentidão do crescimento das plantas. Nesse trajeto, a paixão incestuosa por sua irmã Ana, e sua rejeição, exercem papel fundamental na decisão de fugir da casa da família. A mãe desesperada manda o primogênito Pedro buscá-lo para tentar reconstruir a paz familiar. Trazido de volta para a fazenda, André é recebido por seu pai em uma longa conversa e uma festa que, ao invés de resolverem o conflito, evidenciam a distância intransponível entre as gerações. Por essa razão, a história é muitas vezes descrita como uma versão invertida da parábola do filho pródigo.


Um dos livros mais belos que já li, envolvente pelo lirismo e pela maneira poética como as palavras são usadas.

domingo, outubro 01, 2006

Sentido




"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível de fazer sentido." Clarice Lispector

sexta-feira, setembro 29, 2006

Homenagem a um amigo distante


Em que lugar poderia estar você agora, minha amiga distante...?
Respeito sua vontade, mas não nego sentir saudades e um querer romper dessa barreira do proibido...
Mas como já lhe disse outrora, será sempre quando você achar que deve...

Não suma tanto
Apareça, diga-me como está...
Deixa eu te contar como estou... tornei-me dependente disso...

Obrigada, sempre!!!!

quarta-feira, setembro 27, 2006

Só eu sei...


"Como um livro quando faltam páginas
Some do epílogo a explicação
No altar vazio, em silêncio, arde no suspiro dessa canção
Eu fecho os vidros pelo fim da tarde
E o sol sumindo deixa a escuridão
Que cai tingindo em sangue a minha carne
Um tiro no coração
Despedaçou
No asfalto um acro-íris dos seus lábios sem cor
E os que restou, um armário sem vestidos,
Um vaso sem flor
Mas vou deixar a minha porta aberta
Fechar os olhos para me lembrar
De quando você entrou aqui, falou que o amor
Só pode ir, porque pode ficar, pode ficar
O mar tranquilo agora se eleva
E os utensílios ficam sem função
Num lugar querido agora escuto as trevas
O motivo dessa canção
Só eu sei, eu sei, eu sei
O sal em dunas que acumulam lágrimas
Por vale inunda a imensidão
Está fugindo a minha estrela Dalva
No céu só escuridão
Você me deixou
Eu vi você sair sem dizer pra onde foi
E o que restou
Vai ficar comigo e a saudade depois"
Nando Reis

segunda-feira, setembro 25, 2006


"Os meus olhos vidram ao te ver, são dois fãs, um par
Pus nos olhos vidros pra poder melhor te enxergar
Luz dos olhos, para anoitecer é só você se afastar
Pinta os lábios para escrever a tua boca em mim..."





Primavera - Botticelli
"O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou"

"O que você está fazendo?

Milhões de vasos sem nenhuma flor

O que você está fazendo?

Um relicário imenso deste amor

***

Porque está amanhecendo?

Peço o contrario, ver o sol se por

Porque está amanhecendo?

Se não vou beijar seus lábios quando você se for"

...




Julia
Half of what I say is meaningless
But I say it just to reach you Julia
Julia, ocean child, calls me
So I sing a song of love, Julia
Seashell eyes, windy smile, calls me
So I sing a song of love, Julia
Her hair of floating sky is shimmering, glimmering
In the sun
Julia, Julia, morning moon, touch me
So I sing a song of love, Julia
When I cannot sing my heart
I can only speak my mind, Julia
Sleeping sand, silent cloud, touch me
So I sing a song of love, Julia
Calls me
So I sing a song of love for Julia, Julia, Julia

Tudo de três dias




Meus fragmentos voaram ao longe, ao intocável, ao íntimo...
Se mostraram e eu não os vi.

Chaqualharam-me... em vão...
A transformação continua, não a vejo, não a sinto... mas a entendo...

O indizível foi dito, baixinho, por pouco não o ouço...
A fagulha da luz, que estava ofuscado, encontrou uma brecha e projetou-se dali para fora...
Radiando espasmos e desventuras, temperanças e dores...

São muitas... várias... quase que centenas de formas de se ser no mundo...
Algumas nunca as conhecerei...
Queria falar de tudo em 4 linhas...

São medos, imposições, frustações e sonhos, quantos sonhos...
Há uma corda, tênue... e eu, em cima, equilibrando-me... seguindo...
Quase não olho para trás, quase.

Uma criança assume seu destino que não se realizará..
Porque?
Lamentavelmente, a covardia...
Mas ela poderia ser muito feliz.. se eu assim não fosse, tão egoísta...

Drummond disse sobre as 7 faces...
"Talvez a tarde fosse azul
Não houvesse tantos desejos"
Quantas faces eu teria?
Qual a cor das minhas tardes?
Desejos...
Achei por bem reprimi-los
Pois junto aos desejos vicejam dores... infundáveis, se não por um ato de reflexão...

Amanhã acordarei mais feliz
Hoje é um deitico, disse-me minha mãe, certa vez...
Ah o Eu também o é.
Tudo, compreendi, impossível falar do tudo de hoje que vigora no meu Eu.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Setembro




Então, veio setembro.
Veio a chuva...



Espero, agora, pela primavera.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Mãos Dadas




Dá-me a Tua Mão
Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.


Clarice Lispector

quarta-feira, agosto 30, 2006

Mas uma coisa

Lágrimas.






Sinto hoje, o que relatei a mais ou menos um ano atrás como ficção.

Agosto

Já, por algum tempo, eu tenho reforçada a minha idéia de como o mês de agosto é pesado e intensamente marcado por tristezas.
Não falo isso infundadamente, e muito menos, baseando-me somente no ano de 2006. Prefiro esquecer 2005.
Agosto, as plantas estão secas, o verde deixa de existir, sendo substituído por um marrom opaco. Não há flores, não há folhas nas árvores, há apenas as folhas secas sob o chão.
Claro, não posso negar a beleza que há nisso. Porque existe. No entanto, uma beleza que nos leva a balbuciar dor, nostalgia e tristeza.
Nesse instante uma frágil chuva cai. Sinto um suave cheiro de terra molhada, a renovação.
Amanhã é o último dia de agosto. Nada melhor que iniciá-lo com uma fina chuva.
Que ela nos traga um renascer, um novo brilho e uma nova visão.
Estou invadida por sentimentos duais... em outros termos, antitéticos...
Não tenho mais medos, e volto a ter desejos... e saudades!!!!!!!!
Consigo imaginar-me de volta àquele mundo. Interesso-me por ele novamente, mesmo sabendo que em mim houveram modificações, e que não posso mais ser dele uma mísera espectadora.
Aquele olhar de busca interpretativa encontra-se agora absorto, contudo não mais passível de imunidade. Não há mais maneria de me incobertar por fantasias. Eu vivi por algum tempo nesse mundo. Fui parte dele. Perdi-me em sua excentricidade. E agora saio, obviamente, não como entrei, mas intensa e extensamente modificada.
Há realidades que deveriam para sempre permanecer no mundo das idéias. O platonismo gera expectativas que nunca se comprazem.
O destino pode esmagar ao homem?
Momento: Chuva - Placebo; Black-eyed - Mudança

sábado, agosto 05, 2006

Que passe!!!!!

Fugaz, volúvel, infiel são atitudes com as quais tenho me deparado com frequência nos últimos tempos. Como viver um grande e verdadeiro amor nesse tempo de excessos?
A banalidade amorosa virou moda. Não se respeita, não se cultiva, não se empenha. Amor por si só não é sufuciente.
As pessoas reclamam de todas essas coisas já petrificadas de tanto que já foram ditas, mas ao invés de buscarem empreender um caminho contrário, não, elas continuam naquela mesma rota dominadas por um sentimento de incredualidade e de comodidade. Ninguém procura ser diferente, mas sim ser igual.

Alguns tentam... mas se frustram...
E deveríamos nos mudar porque nos frustramos?
Penso que não. Sou uma das raras excessões....

Outros se justificam na canalhisse, como se aquilo lhes fosse intrínseco à sua personalidade. Não me convencem. Ninguém nasce canalha.

Por enquanto estou cansada. Cansada de tentar...
Mas ainda não desisti...

terça-feira, agosto 01, 2006

Diferente

Ontem foi meu último dia de trabalho. Estagiei por 4 meses e nunca, até então, havia trabalhado em um ambiente tão agradável. De fato, terei muitas lembranças. A minha saída teve sim um ar de despedida. Entristeceu-me. Sentirei saudades de todos os meus colegas de trabalho.

Acredito que o que mais torna doloroso é sentir que as pessoas gostavam de mim, e que, por algum motivo particular, de alguma maneira, eu farei falta a elas.

Normalmente, quando se sai de um emprego é porque se está descontente com ele, não foi esse o meu caso. Saí por motivos que ainda nem sei se darão certo. Poderei me arrepender, mas espero imensamente que não.

Agora, como manter contato com as pessoas, é algo que já por vivência pude aprender que dura por muito pouco tempo.

Há alguns dias atrás reencontrei uma grande amiga, uma pessoa de muito estima. Nunca imaginei que a distância nos tornaria tão estranhas uma para a outra. Alguém com quem já compartilhei muito de mim e agora mal sabe por onde ando.
Dizem que uma verdadeira amizade, passa o tempo que passar, não se perde, e quando há um reencontro será como se não houvesse havido o distanciamento. Tenho minhas dúvidas.

A cada dia tenho percebido que as pessoas mudam e que nem sempre há um equilíbrio entre essas mudanças. E que nem sempre as mudanças ocorridas permitirão a compatibilidade entre os indivíduos.

Às vezes é preciso desacelerar um pouco e sacrificar certos pazeres para não deixar que pessoas caiam no esquecimento ou as amizades na banalidade.

Como diria Drummond "Chegou o tempo que a vida é uma ordem, a vida apenas, sem mistificação"

Na verdade, é chegado o tempo de inverter essa máxima drummondiana. É preciso viver, não por viver, mas sim usufruir dos instantes, dos detalhes, das pessoas, das imagens, ao máximo que se for possível, sem lógica, sem regras e sem ordem.

quinta-feira, junho 29, 2006

Alguém igual não há de ter

"os pés que irão por esse caminho
vão terminar no altar
Eu só queria me casar
com alguém igual a você
E alguém igual não há de ter
então quero mudar de lugar
eu quero estar no lugar
da sala pra te receber
na cor do esmalte
que você vai escolher
só para as unhas pintar
quando é que você vai sacar
que o vão que fazem suas mãos
é só porque você não está comigo?
só é possível te amar..."

No Recreio - Nando Reis

segunda-feira, junho 26, 2006

LUA ADVERSA


LUA ADVERSA
Cecília Meireles

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!

Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

sábado, junho 24, 2006

De mim.

Eu sou uma pessoa muito metódica, sistemática e conservadora. Infelizmente.
Mas sou.
Odeio o trepidar dos ônibus, que quando reverberam faz com que meus mamilos trepidem também. Irritavelmente.
Sou monogâmica e só consigo dormir quando vejo que ao lado da minha cama há um copo com água e quando tenho as mãos e os cotovelos consideravelmente hidratados.
Odeio dias cinzentos porque eles insistem em acontecer quando há algo ruim também acontecendo.
Gosto de acordar e lembrar do meus sonhos e fico extremamente nervosa quando não os lembro.
Amo inglês, mas tenho mais facilidade para falar francês.
Vou comprar um videokê e me isolar do mundo.
Descobri há 3 dias que o egoímos é a forma de existir comum a todos os seres humanos, sem exceção. Isso me causa dor. Sou um ser humano.
Nietzsche sempre tem razão.
Apaixono-me pelos personagens principais da maioria dos livros que leio.
Sou sentimental ao extremo.
Queria acordar um dia e descobrir que o mundo foi feito para românticos como eu.
Gosto do diferente, mas no fim sempre descubro que o diferente é igual a um outro diferente em algum outro lugar. Não acredito mais nas diferenças.
Não acredito mais em um monte de coisas.
Qause morri esses dias atrás, mas isso não me fez rever minhas atitudes e nem querer amar mais as pessoas ou dar mais valor a vida. Sou insensível também.
Será que sou humana?



"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."
(Clarice Lispector)

quinta-feira, junho 22, 2006

Toda paixão possível!!!!



Há sim toda paixão possível...

Há chaves...

Uma porta...

** A descoberta diária de um amor **

domingo, maio 28, 2006

Ephémére


Que não seja efêmero
Mas que também não seja eterno

E sim, que seja intenso...

domingo, abril 16, 2006

Foi assim

Foi assim

Zuleima Sá

Foi assim...
que nesta madrugada.
te possuí por inteira.

Foi assim
que saboreei teu gosto.
e toquei tuas entranhas.

Foi assim
que te vi em êxtase.
Foi por esses teus caminhos
que mãos e boca navegaram

Foi assim
que teu perfume me embriagou,
que teus gemidos me enlouqueceram.

Foi assim,
que na audácia das minhas mãos,
no despudor da minha boca senti...
a loucura do teu prazer.

E, foi então...
que de teu corpo fiz garupa
de teus braços rédeas
e voei...
oh! céus...
na loucura do meu prazer.

site: um outro olhar

domingo, março 26, 2006

Feteg - Festival de Teatro de Goiás

Dia 26
17h - Pluft o Fantasminha
19h - Romeu e Julieta
20h - A Clara do Ovo

Dia 27
21h - O Auto do Mistério da Conveniência

Dia 28
21h - Laurita

Dia 29
21h – Rua da Alegria

Dia 30
21h – Senhora Liberdade

Dia 31
9h - O Elogio da Traição
9h – A Turminha do Papai do Céu
19h - Causos em Cantos
21h - O Elogio da Traição

Dia 1º de abril
15 - O Rato que Diverte a Rainha
19h - Hamlet
21h - Sentimentos do Mundo
22h - A História Terrível e Inacabada de um anoite etérea sem memória ou...

Dia 2
15h - Histórias de um abrigo - O palhaço bilú
17h - O Corcunda de Notre Dame
19h - O Inspetor Geral
20h30 - Escola de Mulheres
21h30 - Cenas Curtas e solenidade de anúncio e premiação dos vencedores do FestivalPreço do

ingresso: R$ 5, por espetáculo

domingo, março 19, 2006

Poema

A cabeça dói
Os olhos doem
A vida dói.

A mente desmente aquilo que se sente.
Mais uma vez as horas passaram,
E senti o avesso, do tempo
A surrar-me pelas costas
A lembrar-me da infinitude da dor.

Incomodei-me de novo,
Com as minhas vertiginosas peculiaridades
Sobressaltadas à minha inquietude
Irritantemente deflagradas
Na minha banalidade

"Meus nervos descansaram".

sábado, março 04, 2006

Dadaísmo - Parte I


O post de hoje é uma breve introdução ao movimento dadaísta. Uma das vanguardas do modernismo.

Não darei detalhes sobre o movimento, apenas adiantarei deixando que o que aqui publicado se revele por si.

O Dadaísmo foi um movimento originado em 1915, em plena 1ª Guerra Mundial, em Zurique (cidade que conservou-se neutra com relação à guerra).

O movimento, que negava todas as tradições sociais e artísticas, tinha como base um anarquismo niilista e o slogan de Bakunin: "a destruição também é criação".

A descrença nas possibilidades de comunicação da literatura leva Tzara a dar sua receita poética:
Pegue um jornal
Pegue uma tesoura
Escolha um artigo do jornal na dimensão que você quer dar ao seu poema
Recorte o artigo
Depois recorte alguns palavras do artigo e as ponha numa pequena bolsa
Sacuda-a suavemente
Tire em seguida cada palavra uma após outra
Copie honestamente na ordem em que saíram da bolsa
E o poema estará pronto e parecido com você
E você será um poeta de original, fascinante sensibilidade, ainda que a plebe não o compreenda.

Canção Dadá do próprio Tristan Tzara:

a canção de um dadaísta
que tinha dadá no coração
cansava demasiado seu motor
que tinha dadá no coração

o ascensor levava um rei
pesado frágil e autônomo
cortou seu grande braço direito
o enviou ao papa em roma

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

A chegada


A chegada

Silente aproxima
Como quem se cedesse sempre aos caprichos alheios.
Avisto-te a aproximar.
Passos sôfregos.
Um olhar insaciável e gestos contraditórios.
Um olhar remoto, taciturno.
Embriaga-se das minhas cuspidas palavras
Agarra-se a elas
Evitando ser arrancada de súbito de sua comodidade
Com a qual já se habituara.
Fala pouco, fala baixo.
O necessário para permitir que flua o instante.
Sua sombra, sua soberba companhia.
Intrinsecamente tudo remete ao abismo do seu toque.
Brando, porém certo.
Esvazia-se do incômodo dos primeiros instantes.
E de sentinela, acolhe-me.
Desfaço-me em seus braços.
Alheia aos limites, subjuga o desconforto.
Degusta, por fim, do terno sentimento que nos envolve.


Imagem: www.explodingdog.com

sábado, fevereiro 11, 2006

Modernismo

sentido do modernismo

O termo Modernismo – e tudo aquilo que ele significa – não pode ser abordado numa perspectiva exclusivamente nacional. Devemos então considerá-lo sob dois ângulos:

1) É um grande movimento internacional, a exemplo do Renascimento, que surge mais ou menos simultaneamente, em vários países europeus, traduzindo de maneira rica, complexa e contraditória os efeitos da modernização sobre a vida sócio-cultural, sobre o comportamento e sobre a psicologia individual. (Entende-se por modernização o processo deflagrado sobremodo a partir da II Revolução Industrial e que gerou fenômenos de urbanização, industrialização crescente, ampliação de serviços, escolarização, valorização do ócio e do lazer e notáveis mudanças nas esferas científicas, tecnológicas e ideológicas. )O Modernismo apresenta múltiplos aspectos temáticos, revoluções formais de toda a ordem e visões de mundo renovadoras. Na verdade, mais do que uma profunda revolução artística, ele expressa uma nova forma do homem ocidental ver, sentir e interpretar a existência.Portanto, o espírito moderno é o produto das novas e ambíguas experiências que o ser humano passa a vivenciar na cidade. Por um lado, estas metrópoles oferecem ao indivíduo infinitas possibilidades de realização pessoal, educacional, amorosa, econômica, etc. Por outro lado, desencadeiam sensações de desconforto, de mal-estar, de solidão e de desespero existencial. Os referidos paradoxos constituem a noção básica da modernidade.O processo histórico que gerou o Modernismo teve uma duração de cerca de cinqüenta anos*, começando ainda no século XIX. Contudo, a efetiva manifestação de novas concepções de vida e de arte deu-se nas três primeiras décadas do século XX, quando se verificou um impressionante confronto entre o novo e tudo aquilo que representava a tradição, isto é, as formas culturais e ideológicas do passado. Esta revolução, comandada por artistas, alcançou todos os setores criativos, recebendo o nome global de Arte Moderna. Sua expansão foi imediata atingindo um incontável número de países extra-europeus, entre os quais o Brasil.

2) É a designação de um movimento específico feito por jovens paulistas, especialmente entre os anos de 1922 a 1930. O termo “modernismo” – auto-aplicado pelos integrantes do grupo – indica tanto a adoção de inovações estéticas, originadas no contexto europeu**, quanto o combate ao passado artístico (e mental) do país. Como todo o movimento vanguardista, o Modernismo paulista revoluciona as estruturas tradicionais da arte brasileira, mas se esgota rapidamente. Ou seja, tem muita importância e curta duração Em 1930 o seu radicalismo formal já havia sido – em maior ou menor escala – assimilado ou até negado pelos novos autores que então surgiam.
Sob este ângulo não se justificam classificações como a de “Segunda Fase Modernista” para abranger autores tão diversificados como Graciliano Ramos, Jorge Amado ou Vinícus de Moraes, que nada ou quase nada tem a ver com os princípios de 1922, apenas para citar alguns exemplos.
Os professores, especialmente devem evitar neste Curso a confusão entre o Modernismo (nova concepção de arte e de mundo dominante no Ocidente durante a maior parte do século XX) e Modernismo paulista (movimento específico de vanguarda brasileira, cuja ação real dura apenas uma década).
*Algumas obras e acontecimentos, ainda no século XIX, constituem uma espécie de Pré-Modernismo europeu, anunciando uma nova sensibilidade. Livros como Flores do mal (1857), de Baudelaire; Madame Bovary (1857), de Flaubert; Crime e castigo (1866), de Dostoievski; Germinal (1885), de Zola; criações músicais como Tristão e Isolda (1859), de Wagner; pinturas como Olímpia (1864), de Manet; inovações tecnológicas como ao a invenção do cinema pelos irmãos Lumière, em 1895, ou ainda a publicação da primeira obra de Freud, Interpretação dos sonhos, em 1899, registram o começo da experiência moderna, sugerindo a ousadia formal, o desespero artístico, o tema da “vida gris”, o desencanto com a própria cultura, etc., que seriam depois elementos básicos da arte e do pensamento no século XX.

**Há um fator de dependência em relação ás vanguardas européias, mas não devemos superstimar esta dependência porque muitas vezes os modernistas brasileiros e de outros quadrantes (países hispano-americanos e asiáticos) usaram as inovações vanguardistas para negar a própria Europa.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Vanguardas

Nos próximos, posts, tirando alguma eventualidade correlata a desespero e coisas a fim, pretendo usufrir deste espaço para descrever os surgimento do modernismo.
Para iniciar acredito ser necessário definir o que venha a ser uma vanguarda, uma vez, que o movimento modernista está totalmente atrelado aos surgimento de novas vanguardas no século XIX na Europa, principalmente na França.
"As motivações, os pressupostos e os objetivos das vanguardas literárias e artísticas, cujo paradoxo, segundo creio, bem merece algumas reflexões: longe de serem movimentos abertos e prospectivos, e ao contrário do que sustentam em proclamações e manifestos, são empresas fechadas nos seus próprios limites e limitações, paralisadas no que a doutrina sugere de abertura. Pertencem à história das instituições, não à história da criação artística, pois não admitem herdeiros e infratores, menos ainda voluntários ou involuntários desvios da norma. Cristalizam-se na imobilidade do que prescrevem. Fundam-se em anátemas e exclusões em nome da liberdade e da invenção; não aceitam rivais, mas apenas discípulos, ciumentamente excludentes de qualquer ameaça ao seu império. À exceção dos fundadores, todos os demais fiéis situam-se na periferia imitativa, na reverência respeitosa. Suas obras só têm sentido no interior delas mesmas e começam a esgotar-se e perder o atrativo da novidade no momento em que aparecem."
As vanguardas são propostas e práticas inovadoras, capazes de perceber aquilo que posteriormente será praticado no senso comum. Surgem para negar a tradição vigente, anunciando o que virá a ser destaque em seguida.
O século XIX experimentou essa ruptura e eclosão de movimentos que viram marcar com grande sentido toda sua história, e, que de fato marca até hoje. As vanguardas européias, que a cada dia as apresentarei, são responsáveis pelo surgimento do movimento modernista.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Vazios Passados

É estranho como sou uma pessoa que se afeta por mínimas coisas que não me dizem respeito. Bem, não sei ao certo. Seria uma questão extremamente subjetiva, sobre a qual desconheço, ou, em alguns instantes, procuro ignorar. Pode ser que a mim fazem qualquer sentido, mas não sei definir qual poderia ser.Um livro que leio ou uma música que ouço, e, que por algum momento me serviu de consolo ou de breve resumo do que em mim se passava naquelas horas, são suficientes para atordoar todo o meu equilíbrio.
Não procuro eloqüência e nem pretendo fazer que tudo que aqui escrevo tenha uma ordem clara e compreensível. Não escrevo para ser lida. Não escrevo para memorar, e nem, para retirar da efemeridade meus sentimentos. Espero que esses malditos sentimentos sejam tão perecíveis como cada segundo. Tão insignificante como cada partícula que existe no universo. Escrevo buscando alívio.
Talvez hoje, e, somente hoje, eu tenha achado o mundo egoísta demais. Minto. Não foi somente hoje. Mas não é sobre isso que desejo falar, pelo menos não agora. Ás vezes sinto saudades de dar toda vazão às dores que tendem a me atordar. Caminhar... sem rumo...sozinha... e com um único porquê. Também não sei a razão para não fazer isso. E sinto como se a cada dia eu soubesse menos de mim. Creio ser isso um tanto quanto estranho, pois deveria eu, com o passar dos dias e com a vivência adquirida saber me conhecer melhor. Pelo contrário, a cada dia me sinto mais esquisita a mim mesma.
Antes as dores pareciam ser mais claras.. Hoje nem sei o que dói. Só sei que há em mim uma ausência latejante. Vazios, outrora preenchidos, me incomodam. Hoje ao ler o livro "Memória de minhas putas tristes" de Gabriel Garcia Marquez, a solidão pareceu-me o que de mais exato possuo. Há no livro uma passagem em que diz que a realidade ensina que o futuro não é do jeito que sonhávamos, e então descobrimos a nostalgia. O passado causa em mim um profundo desconforto. Uma mistura de boas lembranças com tristezas arraigadas. A solidão e o passado parecem andar juntos. Eu poderia ser considerada o pior exemplo de uma pessoa solitária. Mas acredito possuir aquele tipo de solidão que se faz presente mesmo quando se está rodeado por uma multidão, mesmo sendo pessoas que você realmente ama.
"Flutuava entre nuvens erráticas e falava sozinho diante do espelho com a vã ilusão de averiguar quem sou." Gabriel García Marquez

domingo, janeiro 15, 2006

Do you really want to live forever ?

Quinze horas do dia 15 de janeiro, sentada e ouvindo a música Forever Young (no repeat), fico a pensar nas várias formas de viver e na maneira com que cada um passa pela vida. Há dias em que sinto uma imensa paixão em estar viva, algo que ecoa no peito, que me permiti escorrer e engolir lágrimas. Em dias de paixão pareço ser invadida por um profundo sentimento de solidariedade, uma irremediável vontade de abraçar a todos, de sentir tudo que há de bom, da mais simples à mais rara sensação.
No entanto, sensações assim, estão sempre acompanhadas de nostalgia e de limitações. Dói, nesses momentos, reconhecer os limites, as fragilidades e tudo aquilo que suponhamos saber com relação à nossa insignificância. Dói perceber a efemeridade, o peso do tempo.
Por outro lado, todos os sentimentos que por nós perpassam são só possíveis por reconhecermos a possibilidade da morte. Essa assustadora certeza, que de nós subtrai especificidades e que faz com que cada indivíduo se imponha ao mundo de uma maneira peculiar. Somos iguais e raros. Iguais por estarmos presente em um mesmo mundo a um só tempo. Raros por apreender, à nossa maneira, vivência e memória, de uma maneira única, as coisas desse mundo.
Em dias assim há ainda uma nostalgia com relação àquilo que não se conhece. Há desejos, possíveis e impossíveis.
Mas, apesar e com pesar, se se me perguntam: Do you really want to live forever? Responderei que não, porque tenho certeza que isso me impediria de amar verdadeiramente uma única vez se quer. Acredito que uma vida eterna representa sentimentos fugazes.
Às 16:03 do dia 15 de janeiro, permaneço, mais Eu do que nunca.
Forever Young
Alphaville

Let's dance in style, lets dance for a while
Heaven can wait we're only watching the skies
Hoping for the best but expecting the worst
Are you going to drop the bomb or not?
Let us die young or let us live forever
We don't have the power but we never say never
Sitting in a sandpit, life is a short trip
The music's for the sad men
Can you imagine when this race is won
Turn our golden faces into the sun
Praising our leaders we're getting in tune
The music's played by the mad men
Forever young, I want to be forever young
do you really want to live forever, forever and ever
Forever young, I want to be forever young
do you really want to live forever? Forever young
Some are like water, some are like the heat
Some are a melody and some are the beat
Sooner or later they all will be gone
why don't they stay young
It's so hard to get old without a cause
I don't want to perish like a fading horse
Youth's like diamonds in the sunand diamonds are forever
So many adventures couldn't happen today
So many songs we forgot to play
So many dreams swinging out of the blue
We let them come true
Forever young, I want to be forever young
do you really want to live forever, forever and ever
Forever young, I want to be forever young
do you really want to live forever, forever and ever
Forever young, I want to be forever young
do you really want to live forever?

sábado, janeiro 14, 2006

Banalidades!!!! e uma pitada de relevância

Banalidade 1 -

Hoje as 9 da manhã fui despertada pela minha mãe chamando-me para ver o dia: "Marina, acorda... o dia está lindo, o verão começou."

Tudo seria ótimo se eu não tivesse ido dormir às 8.

Banalidade 2 -

Ontem quando ia para meu curso pela manhã, uma cena no ônibus me chamou atenção. Um senhor com mais ou menos 60 anos, antes de se sentar na poltrona do ônibus, retirou do bolso uma espécie de lenço de papel e limpou todo o local onde se sentaria. Até aí.. tudo sem grande relevância. Mas o absurdo da ação, foi que, terminado a limpeza do acento o senhor embola o papel e o atira pela janela.... Quanta contradição...

Siga máxima: Mantenha o seu ambiente limpo... e, se foda o ambiente alheio.

Banalidade 3 -

Tem coisa mais interessante do que dialogar com seu cachorro e gato de estimação ao mesmo tempo... simulando uma situação de conflito, em que cabe a você resolver, estabelecendo a paz entre os dois animais...

Mas vai por mim... não tente fazê-los pegarem na mão...

Rs!!!!!!

Algo de relevante nesse post 1 -

Partida
Rimbaud

Farto de ver.
A visão que se reencontra em toda parte.
Farto de ter.
O ruído das cidades, à noite, e ao sol, e sempre.
Farto de saber.
As paradas da vida.
- Ó Ruídos e Visões!
Partir para afetos e rumores novos.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Livros


Livros que EU deveria ler antes de morrer... Isso, é claro, se eu conseguir...RS!!!!

Lógico que sei da impossibilidade e do meu desânimo... mas estão ai minhas pretensões... e é óbvio.. seguirei minhas prioridades...

Essa lista poderá ser acrescida... Os livros que tenha lido serão marcados... assim quem sabe me dá um ânimo...

LITERATURA ESTRANGEIRA


Filosofia, Sociologia e Política

* A Arte da Guerra - Sun Tzu
* O Leviatã - Thomas Hobbes
* O Príncipe - Nicolau Maquiavel
* Ideologia - AlemãMarx & Engels
* O Anticristo - Friedrich Nietzsche
* Assim Falou Zaratustra Friedrich - Nietzsche ۩
* Arte Poética - Aristóteles
* Apologia de Sócrates - Platão
* Crítica da Razão Pura - Immanuel Kant
* Do Contrato Social - Jean-Jacques Rousseau
* Ecce Homo - Friedrich Nietzsche
* Elogio da Loucura - Erasmo de Rotterdam
* O Espírito da Filosofia Oriental - Huberto Rohden
* Ética a Nicômaco - Aristóteles
* A Gaia Ciência - Friedrich Nietzche ۩
* Manifesto Comunista- Marx & Engels
* Manuscritos Econômico-Filosóficos - Karl Marx
* Para Alem do Bem e do Mal- Friedrich Nietzsche
* Morte - Schopenhauer
* Do Sofrimento do Mundo - Schopenhauer
* Matafísica do Amor - Schopenhauer
* Política - Aristóteles
* O Processo - Franz Kafka
* As Regras do Método Sociológico - Émile Durkheim
* A Utopia - Thomas More
* A República - Platão
* O Livro Vermelho - Mao Tse Tung

Literatura Latino-americana

* Cem Anos de Solidão - Gabriel García Márquez
* Amor nos Tempos do Cólera - Gabriel García Márquez

Literatura Francesa

* Eugênia Grandet - Honoré de Balzac
* Madame Bovary - Gustave Flaubert
* A Mulher de Trinta Anos - Honoré de Balzac
* Os Trabalhadores do Mar - Victor hugo
* O Vermelho e o Negro - Stendhal
* A Volta ao Mundo em 80 Dias - Júlio Verne
* A Viagem ao Centro da Terra - Julio Verne
* Vinte Mil Léguas Subamarinas - Julio Verne
* Flores do Mal, AsCharles - Baudelaire
* Álcoois e Outros Poemas - Apollinaire
* Uma Estadia no Inferno - Arthur Rimbaud
* Poemas Escolhidos - Arthur Rimbaud
* Carta do Vidente - Arthur Rimbaud
* O Doente Imaginário - Molière
* O Tartufo ou O Impostor - Molière
* Pequenos Passáros - Anais Nin
* As Belas Imagens - Simone de Beauvoir

Literatura Inglesa

* O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë
* O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
* Robinson Crusoé - Daniel Defoe
* Drácula - Bram Stoker
* Frankenstein - Mary Shelley
* As Aventuras de Sherlock Holmes - Sir Arthur Conan Doyle
* Hamlet - William Shakespeare
* Macbeth - William Shakespeare
* Megera Domada - William Shakespeare ۩
* Rei Lear - William Shakespeare
* Romeu e Julieta - William Shakespeare ۩
* O Sonho de Uma Noite de Verao - William Shakespeare
* A Revolução dos Bichos - George Orwell (nasceu na India) ۩
* 1984 - George Orwell (nasceu na India) ۩
* Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley ۩
* As portas da percepção - Aldous Huxley ۩

Literatura Russa

* Crime e Castigo- Dostoiévski
* Os Irmaos Karamazov - Dostoiévski
* O Jogador - Dostoievski
* A Morte de Ivan Ilitch - Tolstói ۩
* Senhores e Servos - Tolstói
* Sonata a Kreutzer - Tolstói
* A Felicidade Conjugal - Tolstói
* Onde está o amor, Deus está também - Tolstói ۩
* Lolita - Vladimir Nabokov
* Poemas - Vladímir Maiakóvski
* Anna Karenina - Tolstói

Literatura Italiana

* A Divina Comédia - Dante Alighieri
* Eneida - Virgílio
* Metamorfoses - Ovídio

Literatura Norte-americana

* Folhas De Relva - Walt Whitman
* Histórias Extraordinárias - Edgar Allan Poe

Literatura Alemã

* Fausto - Goethe
* Os Sofrimentos do Jovem Werther - Goethe - Goethe
* Metamorfose - Franz Kafka ۩
* A Carta ao Pai - Franz Kafka
* Morte em Veneza - Thomas Mann
* Sidarta - Hermann Hesse

Literatura Portuguesa

* Contos - Eça de Queiros
* O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós
* Carta de Pero vaz Caminha a El-Rei Sobre o Descobrimento do Brasil
* Primo Basílio - Eça de Queirós
* Os Lusíadas - Luís de Camões
* Sonetos - Manuel du Bocage
* Sonetos- Luís de Camões
* Sonetos- Florbela Espanca
* Todos do Fernando Pessoa

Literatura Grega

* Fabulas- La Fontaine
* Fábulas - Esopo
* Prometeu Acorrentado- Ésquilo
* Medéia- Eurípedes
* Antígona- Sófocles
* Édipo Rei - Sófocles
* Hipólito - Euripedes
* Electra - Euripedes
* Alceste - Euripedes
* Ilíada- Homero
* Odisséia - Homero

Literatura Indiana

* Kama Sutra- Vatsyayana

Literatura Tcheca

* A insustentável Leveza do ser - Milan Kundera ۩

Literatura Espanhola

* Dom Quixote - Miguel de Cervantes

domingo, janeiro 08, 2006

A gravata e a civilização

A gravata e a civilização
Martha Medeiros

"A civilidade nos integra à sociedade, mas há momentos em que é preciso deixar transparecer a alma do jeito que ela é, sem amarrasEm 1915, Fernando Pessoa incorporou seu heterônimo Álvaro de Campos e escreveu uma carta a Walt Whitman chamada Saudação. Em meio ao texto, entusiasmado com as próprias palavras, pediu licença ao destinatário para abrir o colarinho e tirar a gravata antes de continuar: "Não se pode ter muita energia com a civilização à roda do pescoço". Livre da gravata, seguiu escrevendo com o vigor com que estava tomado.
Considero a gravata um objeto de fetiche. Prefiro os que usam camiseta, mas um certo dia os rapazes casuais surgem de terno completo e avista-se uma nova possibilidade de homem. Divagações. Não me dê a menor atenção, pois não é este o assunto da crônica. O que eu quero falar é sobre essa história de civilização à roda do pescoço, que serve como metáfora para gravatas e para tantas coisas mais. A civilidade nos torna bastante apresentáveis e integrados ao nosso meio, então ela está sempre nos acompanhando, seja no vocabulário que usamos, seja nos nossos modos ou na nossa capacidade de engolir sapos e relevar grosserias: somos polidos, não há dúvida. É uma excepcional qualidade. Mas também é inegável que isso nos rouba alguma energia em horas vitais. Ser passional, vigoroso, arrebatador, acalorado, nada disso é possível quando se tem a civilização ao redor do pescoço, física ou metaforicamente falando.
Em horas extremas, exige-se nudez - física ou metafórica, de novo. É preciso o mínimo de impedimento para gestos ousados, o mínimo de autocensura para falar o que se pensa, o mínimo de controle para demonstrar o que se sente. Há sempre um momento na vida - quisera fossem muitos - em que é preciso despir-se da nossa pele de cordeiro e deixar transparecer a nossa alma do jeito que ela é, e às vezes nem sabemos ao certo como ela é, tão pouco nos enxergamos por dentro. A adestração faz parte da nossa educação, mas como nos descaracteriza. De vez em quando é preciso dar uma folga à nossa civilidade. Não há como não arrancar a gravata e jogar longe o salto alto na hora de fazer declarações de amor, confessar pecados grandes, sair em busca de um novo caminho pra vida, escrever poemas com a dor da perda ainda latejando.
Não há como não tirar o batom na hora do beijo, soltar os cabelos na hora do sexo, arregaçar as mangas na hora de um abraço forte. Durante emoções estupendas, nada pode nos apertar, nos constranger, nos segurar. São ocasiões raras em que não se deve ter compromisso algum com a vaidade. Aliás, somos insuportavelmente belos ao nos desamarrarmos, aos nos livrarmos de nossos pudores, ao arrancar os óculos do rosto para deixar que vejam nossos olhos, sejam eles claros, escuros ou vermelhos - todos já tivemos os olhos vermelhos.
Fernando Pessoa não conseguia continuar escrevendo o que escrevia para Walt Whitman estando de gravata. Sentia que perdia sua força justo quando esta lhe era mais necessária. Suas palavras exigiam liberdade para continuarem significativas, era imperioso ter mais fôlego, talvez até um pouco de selvageria - e ele não pensou duas vezes: adeus, gravata. Era 1915, quando homens sem gravata não eram nem cumprimentados na rua. Mas em nome da sua arte e das exigências da sua alma, ele pensou: dane-se. Estava certo. Para a alma vazar, o corpo tem que abrir espaço. "
Jornal Zero Hora - 08/01/06

sábado, janeiro 07, 2006

Something




Something
Paul McCartney

Something in the way she moves
Attracts me like no other lover
Something in the way she woos me
Don't want to leave her now
You know I believe and how

Somewhere in her smile she knows
That I don't need no other lover
Something in her style that shows me
You're asking me will my love grow
I don't know, I don't know
You stick around and it may show
I don't know, I don't know

Something in the way she knows
And all I have to do is think of her
Something in the things she shows me

Sexta-feira a noite... Só músicas como companhia...

Há milhões de pensamentos ... milhões...

Era um sonho... Talvez... Despertei-me...?

O que estará fazendo? Nesse instante?

Fumando seu cigarro como se não estivesse nem ai para niguém? Uma mão vai a boca e a outra com certa distância do tronco parece fazer pose... Os olhos vagueiam... Por onde?

Estará dançando? Sem nenhum constragimento? Feliz... movendo somente os braços e mordendo os lábios suavemente...?

Estará no banheiro? Demora-se? Evidentemente...

Porque não te roubei para mim a uma semana atrás?

Sei que tudo passa... e normalmente interpreto essa frase como um mal necessário... Não hoje.. porque desejo muito que tudo passe...

terça-feira, janeiro 03, 2006

Ano Novo


"Toda pessoa necessita que as demais a reconheçam tal como ela acredita que é, tal como se inventa para si mesma. Isto significa que, porque somos uma invenção de nós mesmos, o reconhecimento do outro é indispensável a que esta invenção se torne verdadeira. Por isso, se é certo, como disse Jean-Paul Sartre, que "o inferno são os outros", é certo também que está neles o sentido na nossa existência.
(...)
Viver é, portanto, inventar-se.
(...)
Se os gênios contribuem para a reivenção do universo cultural - que é nosso espaço de vida -, a vasta maioria das pessoas é responsável pela preservação do que já foi inventado.
(...)
O homem inventou Deus para que este o criasse. Filho dileto de Deus, pode assim aspirar à ressurreição."
Fragmento de "Um bicho que se inventa" de Ferreira Gullar na Ilustrada, F. de S. Paulo 01/01/06 pg. E8