sábado, maio 05, 2007

Cara Laísa

Palo Alto, 04 de maio de 2007.
Cara Laísa,

Hoje, especialmente hoje, há uma distância maldita dentro de mim. Meu coração pretificou-se no frio californiano. A saudade não é uma dor desesperada; é, com destreza, um lamento. Uma perda decidida. A natureza que por si só é a representação da beleza continua assim. Não posso ignorar isso. Mas, a condição humana não me envergonha, como deveria, ou melhor, como se esperaria, porém me atira aos limites. Não! Estou longe de chegar ao cume, no entanto, pressinto um ar blasfêmico. Entendes?
O mundo, como diria Drummond, vasto mundo. Há rimas no mundo, Laísa? Há ritmo? Há poesia? Há, Afirmo-te, como quem classifica cada pedaço de uma vaca morta. Há poesia em tudo quando se tem poesia nos olhos. Nos olhos e não no coração. A do coração lapida ou empalidece a dos olhos. Todavia, a dos olhos pode encegar a do coração, ou no mínimo, se arriscar por caminhos tolos. Os olhos se perdem em ser perder.
Não saberás quando for tarde. Será assim: acordas e lá está o mundo, ora a te sorrir com comparações mesquinhas, ora a te arregaçar com beijos francos. No entanto, sempre há isso que se chamam de Eu, um Eu entre tudo. Um Eu ansioso. Isso de haver um Eu é o que estraga tudo. O mundo seria apenas Um mundo, se não houvesse o Eu. O plano era: eu e o mundo. O plano muda. O mundo e eu. Parece óbvio a descoberta da própria medíocridade, mas vou além disso. Além da consciência dessa pequeneza, acresça a fragilidade de tudo que possa caber dentro de paradoxos, quase sempre atenuados.

O pior se dá em ecos. E lá se vão sua língua, as borboletas e as cores.
Sigo, porque já me esqueci como se volta.

Carinho zeloso,
Marina Segatti

Nenhum comentário: