sexta-feira, novembro 18, 2005

À ...

Acordou, como todos os dias, sem esperar nada que lhe elevasse a um estado de divino deliciamento. Abriu os olhos. Virou-se, no mínimo sete vezes. Encorajou-se levantando. Já desperta e completamente imersa na solidão almejou não ser ela mesma por alguns instantes. Contudo, adiantando-se frente ao espelho sentiu calafrios por se reconhecer precisa demais, por se reconhecer idêntica demais a si mesma.

Desejou também que não houvesse pessoas por onde caminharia. Entretanto, junto ao desejo havia a convicta certeza da impossibilidade de não se esbarrar com alguém. E, assim, após todos os preparativos que uma manhã normal exige, tomou sua direção e pôs-se a caminho do imprevisto.

E o imprevisto, era, naquele dia usual, coisas simples para as quais seus olhos nunca haviam se voltado, a não ser intencionalmente.

Não queria provar do mundo e não buscava deparar-se com sensações irreconhecíveis que lhe causariam um encontro com o novo. Não mesmo. Ao contrário, nada mais lhe seria tão intenso do que a repetição das velhas sensações (o velho se fez novo). Aquelas raras, que somente a impossibilidade do amor, e não a impossibilidade de amar, te resgata da utilidade cotidiana da vida presente.

E como se fosse um presságio sentiu-se tomada por uma coragem incerta e impalpável, mas ao mesmo tempo revelada como uma força com direção previamente estabelecida, porém desconhecida.

Uma paixão, ainda incipiente, rasgou-lhe o peito e exauriu-lhe o medo. Logo ela, sempre tão medrosa. Mas aquém o medo conservara sempre contigo a pureza e a ingenuidade de um primeiro amor. Não porque a vida não lhe havia sido dura, e como fora, porém se permitia sentir além do já vivido e do já previsível. Não se fechava ou se incapacitava mediante as tenebrosidades. Era como se estas lhe despertassem para o perene e não lhe permitisse sucumbir por razões míseras para as quais covardes e hipócritas possuem todos os subterfúgios.
E por um ímpeto, permitiu-se desviar-se dos amores possíveis demais, afastando-se de toda fugacidade e vulnerabilidade, entregando-se a um ritmo próprio que difere do tempo dos homens.

Não possui a medida do abismo, e, nem por isso, deixou de se jogar nele.

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