domingo, julho 08, 2007

In the American West: Photographs by Richard Avedon


Stanford, California — The Cantor Arts Center at Stanford University announces the presentation of In the American West: Photographs by Richard Avedon, February 14–May 6, 2007. The Amon Carter Museum, Fort Worth, Texas, originally presented the exhibition in 1985, then again put a major portion of the original works on view September 2005 in a 21st-century reprise of the original show. In 2006, the 20th-anniversary exhibition goes on a national tour, which ends at the Cantor Arts Center.

“No one who saw the original exhibition 'In the American West' in 1985 could forget the impact and beauty of Avedon’s colossal images. The Cantor Arts Center is thrilled to show this ground-breaking project to a new generation of museum-goers who will be amazed and inspired by the medium in the hands of the great master," said Hilarie Faberman, the Center's Robert M. & Ruth L. Halperin Curator of Modern and Contemporary Art.

Richard Avedon was already world famous for elevating fashion photography to an art form and for his insightful portraits of men and women of accomplishment, when the Amon Carter Museum’s first director, Mitchell A. Wilder, saw Avedon’s 1978 portrait of a Montana ranch foreman. Wilder asked the artist to make portraits of others across the American West under the sponsorship of the Amon Carter Museum. From 1979 to 1984, Avedon traveled through 13 states and 189 towns from Texas to Idaho, exposing 17,000 sheets of film through his 8-by-10-inch Deardorff view camera.

Focusing on the rural West, Avedon visited ranches and rodeos, but he also went to truck stops, oil fields, and slaughterhouses. Rather than playing to the western myths of grandeur and space, he sought out people whose appearance and life circumstances were the antithesis of mythical images of the ruggedly handsome cowboy, dashing outdoor adventurer, or beautiful pioneer wife. The subjects he chose for the portraits were ordinary people, coping daily with personal cycles of boom and bust.

Instead of glamorizing these figures, he brought their various human frailties to the forefront. All his subjects are pictured against a seamless white backdrop that removes any reference to place, and many of the portraits are dramatically oversized, shocking in their stark detail. Visitors to the exhibition come face-to-face with images that shattered stereotypes of a glorified region.

A majority of the photographs have not been seen in the United States since the initial tour. Sixty three of the original 124 portraits will be on view in this exhibition, including all of the project’s most important and best-known images. Amon Carter Museum Senior Curator of Photographs John Rohrbach began working with Avedon in early 2003 on image selection and installation design. Following Avedon’s death in late 2004, Rohrbach continued to work on the exhibition with The Richard Avedon Foundation.

The New York publisher Harry N. Abrams, Inc., reissued the exhibition catalogue with a new introductory preface by Rohrbach. The catalogue, with 174 pages and 120 reproductions is available in the Cantor Arts Center Bookshop for $35 soft cover and $75 hard cover.

In the American West is organized by the Amon Carter Museum, Fort Worth, Texas. Generous funding for the exhibition is provided by the Katrine M. Deakins and Crystelle Waggoner Charitable Trusts, Bank of America. Presentation at the Cantor Arts Center is made possible by The Cowles Charitable Trust, Gilbert Ellenberger, an anonymous donor, and Cantor Arts Center members. 







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Sinto morrer aquela Marina. Aquela menina noturna, embebedada de sereno e noites frescas. Ouço músicas do passado e só me remeto a esse passado, vindo-me tão somente a sensação de noites. Eu era feliz nas noites. Nas noites eu via estrelas, claro. Via amigos, quase que com frequência. As noites alimentavam minhas paixões platônicas e me ensinavam o sabor da tristeza. Canso de me trancafiar entre quatro paredes e uma tela que não me levo aonde quero, porque onde quero já não está onde deveria. Tentei ver as coisas com o certo otimismo que me cobram, mas, infelizmente, o meu egoísmo de ser humano e minha imaturidade proposital me instalam nas fronteiras das dores e fatalidades. Medo de transbordar no novo que me surge. Atada, recorro a repetição, a qual é vaga.

quarta-feira, junho 06, 2007


Ficha Técnica
Título Original: The Hours
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 114 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2002
Site Oficial: www.thehoursmovie.com
Estúdio: Scott Rudin Productions
Distribuição: Paramount Pictures / Miramax Films / Buena Vista International / Lumière
Direção: Stephen Daldry
Roteiro: David Hare, baseado em livro de Michael Cunningham
Produção: Robert Fox e Scott Rudin
Música: Philip Glass
Fotografia: Seamus McGarvey
Desenho de Produção: Maria Djurkovic
Direção de Arte: Nick Palmer, Mark Raggett e Judy Rhee
Figurino: Ann Roth
Edição: Peter Boyle
Efeitos Especiais: Double Negative
Sinopse
Em três períodos diferentes vivem três mulheres ligadas ao livro "Mrs. Dalloway". Em 1923 vive Virginia Woolf (Nicole Kidman), autora do livro, que enfrenta uma crise de depressão e idéias de suicídio. Em 1949 vive Laura Brown (Julianne Moore), uma dona de casa grávida que mora em Los Angeles, planeja uma festa de aniversário para o marido e não consegue parar de ler o livro. Nos dias atuais vive Clarissa Vaughn (Meryl Streep), uma editora de livros que vive em Nova York e dá uma festa para Richard (Ed Harris), escritor que fora seu amante no passado e hoje está com Aids e morrendo.

sexta-feira, maio 11, 2007

Pomelo


Todas as estórias de Pomelo são surpreendentes. Um livro de criança para adultos... ou "pseudo-adultos"..
Pomelo é um elefante deselegante e desajeitado.. sua tromba cresceu demais...
Ele vive debaixo de sua flor Dente-de-Leão.
Identifico-me muito com esse elefantinho... temos medos parecidos...e, alegrias também.
Temos medo de que a chuva apague as cores, ou que de repente tudo vire-de-cabeça-para-baixo..ou pior, que acordamos um belo dia e não entendemos o que as pessoas estão falando, nem mesmo o nosso melhor amigo, no caso de Pomelo, a Gigi, um caramujo.
Mas de uma coisa discordo de Pomelo, as borboletas são sim confiávies.
** Um livro de Ramona Badescu e Benjamin Chaud

terça-feira, maio 08, 2007

domingo, maio 06, 2007

A arte de ser feliz - Cecília Meireles

Um dia como um dia. Mas sempre há um amigo a nos surpreender com textos as nos confortar. Obrigada Maressa

A arte de ser feliz - Cecília Meireles

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas.Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

sábado, maio 05, 2007

Cara Laísa

Palo Alto, 04 de maio de 2007.
Cara Laísa,

Hoje, especialmente hoje, há uma distância maldita dentro de mim. Meu coração pretificou-se no frio californiano. A saudade não é uma dor desesperada; é, com destreza, um lamento. Uma perda decidida. A natureza que por si só é a representação da beleza continua assim. Não posso ignorar isso. Mas, a condição humana não me envergonha, como deveria, ou melhor, como se esperaria, porém me atira aos limites. Não! Estou longe de chegar ao cume, no entanto, pressinto um ar blasfêmico. Entendes?
O mundo, como diria Drummond, vasto mundo. Há rimas no mundo, Laísa? Há ritmo? Há poesia? Há, Afirmo-te, como quem classifica cada pedaço de uma vaca morta. Há poesia em tudo quando se tem poesia nos olhos. Nos olhos e não no coração. A do coração lapida ou empalidece a dos olhos. Todavia, a dos olhos pode encegar a do coração, ou no mínimo, se arriscar por caminhos tolos. Os olhos se perdem em ser perder.
Não saberás quando for tarde. Será assim: acordas e lá está o mundo, ora a te sorrir com comparações mesquinhas, ora a te arregaçar com beijos francos. No entanto, sempre há isso que se chamam de Eu, um Eu entre tudo. Um Eu ansioso. Isso de haver um Eu é o que estraga tudo. O mundo seria apenas Um mundo, se não houvesse o Eu. O plano era: eu e o mundo. O plano muda. O mundo e eu. Parece óbvio a descoberta da própria medíocridade, mas vou além disso. Além da consciência dessa pequeneza, acresça a fragilidade de tudo que possa caber dentro de paradoxos, quase sempre atenuados.

O pior se dá em ecos. E lá se vão sua língua, as borboletas e as cores.
Sigo, porque já me esqueci como se volta.

Carinho zeloso,
Marina Segatti

sexta-feira, abril 27, 2007

CONTARDO CALLIGARIS - Somos culpados, mas de quê?

CONTARDO CALLIGARIS
Somos culpados, mas de quê?

Pesquisa mostra que a culpa mais dolorosa é o lamento por não termos agido como queríamosA MELHOR polícia do mundo não conseguiria manter a ordem se respeitássemos as leis só por medo da punição. A sociedade funciona (mais ou menos) porque infrações e crimes despertam não só a PM e a PF mas também nossa consciência: a perspectiva do arrependimento nos inibe.O problema, como Freud constatou, é que a gente se culpa mais do que é necessário: enxergamos crimes onde não há, consideramos que nossas vagas intenções e nossos sonhos noturnos já são delitos e nos castigamos para aliviar os tormentos de nossa culpa. Seja como for, até os anos 60, o sentimento de culpa -necessário ou patológico e excessivo- parecia ser só isto: o arrependimento por ter desrespeitado uma norma ou uma autoridade. Em seu seminário (um pouco críptico) de 1959-60 ("A Ética da Psicanálise", Zahar), o psicanalista francês Jacques Lacan propôs algo diferente: a culpa mais relevante e mais sofrida surgiria não por termos desobedecido a uma norma, mas por termos neglicenciado nosso próprio desejo, por termos desistido de agir como queríamos. Podemos nos arrepender de nossas transgressões, mas lamentamos, mais amargamente, as ocasiões perdidas. Era uma pequena revolução no mundo da clínica. De fato, o sentimento de culpa é onipresente (ou quase), e as transgressões, em geral, são poucas. É lógico, portanto, que a culpa que nos atormenta seja sobretudo um efeito de nossa covardia (que é crônica), e não de nosso atrevimento (que é raro). Pois bem, no ano passado, Ran Kivetz e Anat Keinan publicaram uma pesquisa que confirma experimentalmente a intuição de Lacan (que, claro, eles não leram): "Repenting Hyperopia: an Analysis of Self-Control Regrets" (Hipermetropia Pesarosa: uma Análise dos Arrependimentos do Autocontrole, "Journal of Consumer Research", vol. 33, setembro 2006). Em três protocolos de pesquisa, Kivetz e Keinan confirmaram o seguinte: 1) todos condenamos as decisões que só enxergam o prazer imediato sem levar em conta as conseqüências futuras (desde comer a segunda fatia de bolo ou gastar dinheiro que não temos até cometer um pecado pelo qual responderemos na porta do purgatório); 2) mas essa condenação é fugitiva, efêmera: a longo prazo (depois de um ano, por exemplo), considerando a decisão que nos pareceu sábia (não comer a segunda fatia de bolo, não gastar, não pecar), o que prevalece é o arrependimento por ter perdido uma ocasião, por não ter agido segundo nosso impulso ou desejo. Na metáfora ótica usada por Kivetz e Keinan, sabemos que nossos impulsos são míopes (só enxergam a satisfação do momento) e achamos certo agir como hipermetropes (o que, em geral, significa deixar de agir, focalizando e receando as conseqüências afastadas de nossos atos); a curto prazo, nós nos felicitamos por ter pensado no futuro, enquanto, a longo prazo, lamentamos ter sido hipermetropes e desperdiçado satisfações que estavam ao nosso alcance imediato. Kivetz e Keinan sugerem uma explicação: a longo prazo, os atos passados são integrados numa espécie de balanço de nossa vida, em que devemos decidir se a corrida foi boa, se valeu a pena. Nesse balanço, o lamento pelas coisas que queríamos e não ousamos fazer pesaria mais que o mérito das "sábias" decisões que comandaram nossas desistências. De qualquer forma, o fato é que o arrependimento por não ter escutado o desejo parece falar mais alto e por mais tempo do que o arrependimento por ter ousado transgredir. Seria aventuroso concluir que, para não se arrepender no futuro, a gente deveria atuar qualquer desejo. Mas resta uma suspeita, ou melhor, uma lição: freqüentemente, as razões que mantêm nosso comportamento nos padrões esperados (obediência à ordem social, a nossos pais, à tradição etc.) são apenas racionalizações de uma covardia da qual nos arrependeremos um dia. Para entender plenamente o alcance da pesquisa, esqueça a segunda fatia de bolo, os gastos e os pecadilhos (exemplos triviais usados na experiência) e pense em decisões cruciais de sua vida: uma mudança de carreira à qual você renunciou porque teria desapontado ou preocupado seus próximos, uma paixão amorosa que você calou porque teria encontrado a desaprovação dos mesmos. Pois bem, a longo prazo, essas desistências doem mais do que doeria a culpa por ter transgredido normas e expectativas, seguindo nosso desejo.

CONTARDO CALLIGARIS - Sobre o atirador de Virginia Tech

CONTARDO CALLIGARIS
Sobre o atirador de Virginia Tech

A procura de explicação revela mais sobre nós do que sobre o objeto de nossas investigações1) SOU uma pessoa razoavelmente sociável. Dispenso e retribuo sorrisos e banalidades ("Oi", "Tudo bem?") nos elevadores, nos vestíbulos e mesmo na rua.Mas há pessoas para quem o exercício dessa socialidade "básica" é forçado ou intoleravelmente hipócrita. Para um amigo monge beneditino, o uso da linguagem é permitido só quando a gente tem algo a dizer que seja crucial para o destino da alma: o silêncio lhe parece quase sempre mais próximo da verdade do que a falação (sobre a virtude do silêncio, aliás, acaba de sair "Silêncio e Contemplação - Uma Introdução a Plotino", de Gabriela Bal).Pois bem, desde o massacre de Virginia Tech, leio e escuto que o atirador era taciturno e silencioso, não devolvia saudações nem olhares. Conclui-se que ele era uma pessoa "anti-social".É normal: quando acontece um horror, dormimos melhor com uma explicação. Mas, freqüentemente, a procura das explicações revela mais sobre nós mesmos do que sobre o objeto de nossa investigação. No caso, a explicação pelo caráter taciturno do atirador revela sobretudo que somos tão preocupados com nossa agressividade que preferimos afogá-la num rio de palavras vazias. Quem se cala nos perturba porque seu silêncio evoca tudo o que nós mesmos tentamos esconder atrás de nossa barulhenta "cordialidade" (inquietudes, medos, raivas, lubricidade etc.).Ora, quando a "sociabilidade" é um jogo obrigatório, quem não joga está fora, é um excluído. E, numa sociedade que valoriza a inclusão, econômica ou convivial, a exclusão é sempre explosiva.2) Alguns comentadores entenderam que o atirador produziu e tornou público um vídeo para tornar-se uma "celebrity" após a morte. Por isso, segundo eles, as imagens não deveriam ser mostradas pela televisão. De novo, a "explicação" é uma projeção de nossa própria paixão pelos "cinco minutos de fama": atribuímos ao atirador uma vontade da qual nos envergonhamos.De fato, ele me pareceu sobretudo preocupado em declarar que se orgulhava de seu ato. Mais um desaforo? Não sei: nas culturas orientais (veja-se o clássico de Ruth Benedict, "O Crisântemo e a Espada", Perspectiva), a vergonha é o grande regulador social; e o melhor remédio contra a vergonha é o orgulho.3) O atirador evocou o "exemplo" de Cristo. Loucura? Em termos. Max Weber (em "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", Companhia das Letras ou Martin Claret) mostrou que o sucesso econômico do protestantismo (nos EUA, por exemplo) se deveu à idéia de que os predestinados à salvação eterna seriam também os eleitos na vida terrena: o sucesso é bom e demonstra que Deus nos ama.Essa idéia estimula o crescimento, mas gera inevitavelmente, no "perdedor", o anseio de uma revanche já neste mundo, uma revanche para provar que a graça divina não o esqueceu.4) Em 1996, eu ensinava a patologia das migrações na Universidade da Califórnia em Berkeley. A chegada de um estudante coreano ou chinês no departamento de antropologia era uma raridade. Em geral, os imigrantes orientais não falam nem aprendem inglês, o que torna problemática, para seus filhos, a escolha de uma disciplina humanística; as carreiras científicas são o caminho mais rápido de integração.O atirador de Virginia Tech (cujos pais não falam inglês) estava estudando literatura inglesa. O conflito entre sua origem e sua vontade de se integrar devia ser dramaticamente agudo.5) A primeira reação, nos EUA, foi o protesto contra a facilidade de adquirir armas. Mas, para o lobby das armas, o evento prova o contrário: se cada aluno pudesse carregar sua arma (com a naturalidade com a qual a gente carrega um celular), um atirador mataria só um ou dois, antes de cair numa chuva de balas.6) Mais importante: naquela manhã fria, um professor, Liviu Librescu, 76 anos, judeu de origem romena, sobrevivente do genocídio, não hesitou em dar a vida para impedir que o assassino entrasse na sala de aula. Com isso, ele permitiu que vários estudantes se salvassem. Somos fascinados pelas "razões" que levam alguém a cometer um horror. Por exemplo, há estantes de livros tentando entender por que alemães comuns se tornaram, durante o nazismo, assassinos. Seríamos justos com nossa espécie se, às vezes, colocássemos a pergunta inversa: como é possível que, no horror, quase sempre haja alguém que faz a coisa certa?

quinta-feira, abril 26, 2007

Para um roxo dia de sol de fevereiro - Caio Fernando Abreu

Não é fevereiro, mas combina com abril...

Para um roxo dia de sol de fevereiro
por Caio Fernando Abreu
Para Jussara

Este vazio de amor todos os dias: a cabeça pesada ao meio-dia, a boca amarga, um cheiro de sono e solidão nos cabelos, uma xícara de café bem forte espantando os arcanos da madrugada, e muitos cigarros, as roupas, o espelho, os colares, as pulseiras. Procuro e não acho. Mas saio para a rua todo de roxo, a barriga de fora.O sol bate forte na cabeça. O sol bate forte e reflete na calçada e dissolve o corpo em gotas pegajosas escorrendo nojentas e brilhantes pelos braços e pelas pernas por baixo do roxo até cair sobre o asfalto formando pequenas poças que logo se evaporam subindo pelos raios do sol cor de cenoura de fevereiro para novamente descer do alto despertando o suor roxo adormecido no meu corpo.E na esquina riem. Eu não ligo, mas riem e falam baixinho entre si, homens dispostos na calçada com as camisas abertas entre as verduras da tenda da esquina, os homens de pelos aparecendo pelas aberturas da camisa cochicham entre si e riem. Mas eu piso firme e ergo a cabeça e dentro do meu roxo caminho só-rindo entre as verduras e os cochichos, e ninguém entende: mas silenciam e principiam a rir baixo, apenas para eles, e não têm coragem de dizer nada. Eu passo por seu silêncio irônico e perplexo, a minha bolsa oscila, é como se o sol coroasse minha cabeça e ninguém soubesse ao certo se rir ou calar, de espanto, porque nunca naquela rua passou alguém coroado por um sol roxo de fevereiro.Depois são os corredores e as escadas e o balcão claro do bar e os grupos de pessoas que não distingo umas das outras, mas vou sorrindo, sou um projétil orientado até certo ponto, depois dele, e é agora o depois dele vou furando o desconhecido, violentando o mistério, vou penetrando no incompreensível, e sorrio para o inesperado, o corpo ereto projetado, e alguém me faz uma saudação oriental na porta de entrada e eu sorrio ainda mais largo: é alguém semelhante a um cão são bernardo, falta apenas o barrilzinho de chocolate, desses abençoados que riem o tempo todo e o tempo todo cantam e dizem coisas e soltam notas musicais por entre os pelos espessos da barba e do cabelo grande.E entro na sala e sinto que os olhares se debruçam sobre mim e cumprimento alguns e outros e não penso nada: gozo a glória deste momento e sei que brilho mesmo sem saber para onde vou. E tombo sobre a mesa e tento arranjar no rosto um ar compungido, qualquer coisa modesta e bucólica, à beira do perdão, um olhar no horizonte nas janelas do arquivo, para que me amem, para que se condoam, para que não se ofendam com meu sol de hoje.Mas hoje. Hoje não. É impossível perdoar no meio destas máquinas histéricas e destas pessoas que tão pouco sabem de si destas calças desbotadas do feltro verde do jornal mural das vozes que passam misturando marchas de carnaval john lennon e carlos gardel é impossível sofrer entre os telefones que gritam e o suor que escorre e as laudas numeradas e as pilhas de jornais e livros e a porta que vezenquando abre libertando vanderléias comerciais e meninos de roupas coloridas e ar desvairado.E hoje não. Que não me doa hoje o existir dos outros, que não me doa hoje pensar nessa coisa puída de todos os dias, que não me comovam os olhos alheios e a infinita pobreza dos gestos com que cada um tenta salvar o outro deste barco furado. Que eu mergulhe no roxo deste vazio de amor de hoje e sempre e suporte o sol das cinco horas posteriores, e posteriores, e posteriores ainda.
CAIO FERNANDO ABREU escrito no dia 01º.02.1973

quinta-feira, março 29, 2007

Arrumando as malas

Cada peça dentro da mala. Cada qual, uma história.
A blusa com o poema da Cecilia Meireles e a outra com o poema do Maiakovski, relembram aquela fiel amiga de Brasília, que quantas vezes me transportou e me inspirou. Apresentava me aos pontos turísticos, à sua vida e quantas vezes até à minha própria.
Olhar cada sandália e resgatar os caminhos por onde pisaram - praças, ruas, gramas, porcelanatos e cerâmicas. Inúmeras casas, nas quais me sentia sempre a vontade.
As blusas ganhada da vizinha e melhor amiga. A blusa amarela de algodão, muito larga, que aquele especial amigo trouxe de Londres.
As variadas roupas compradas pela mãe. Mesmo com todas as dificuldades não se mediu esforços para que eu tivesse tudo que desejasse, o pijama quentinho, o chacecol bonito, a blusa de frio amarela e os vários vestidos que me lembrarão todos os sambas.