Há dias em que tudo parece fazer sentido. Em que o simples caminhar enquanto ler poemas faz com que tudo se apresente de uma maneira extremamente gratificante.
Há alguns dias tenho me redespertado para poesia. A poesia sempre esteve muito presente em minha vida, em tudo que faço. Mas houve um breve período de latência. E esse acordar permitiu-me conhecer uma grande poetisa, que a mim já havia sido apresentada no ano passado, mas que por um certo tempo foi ignorada. Meus olhos no momentos estavam voltados exclusivamente para Paulo Leminski. Passado o estado febril da novidade, e a sede e a curiosidade estando praticamente saciadas, enveredei-me para os poemas de Hilda Hilst.
Surpreendi-me. A cada poema lido aumentava mais e mais minha ânsia pela leitura. Devorava páginas e páginas. Profunda e suave ao mesmo tempo. Complexa. Mas não me fazia sentido lê-la em silêncio. Em mim exteriorizava um profundo desejo de sentir a poesia em texto (interpretação), e também em sonoridade (sensação). Seria como explicar o inexplicável. Apenas leiam.
Que dor desses calendários
Sunidiços, fatos, datas
O tempo envolto em visgo
Minha casa buscando
Teu rosto reversivo
Que dor no branco e no negro
Desses negativos
Lisura congelada de papel
Fatos roídos
E teus dedos buscando
A carnação da vida
Que dor de abraços
Que dor de transparências
E gestos nulos
Derretidos retratos
Fotos fitas
Que rolo sinistro
Nas gavetas
Que gosto esse do tempo
De estancar o jorro de umas vidas
Hilda Hilst