sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Vitamina

Estive pensando, eu prefiro ser tratada mal pelas pessoas. Vou-me explicar. Não que desejo que as pessoas me tratem com desrespeito ou coisas do gênero, mas uma coisa é fato, eu não sei lidar com galanteios e gracejos. Isso exige muito de mim. Isso me faz sentir culpada.
Ontem a noite, minha mãe fez uma vitamina, uma atitude rara. Cheguei em casa um pouco tarde e já havia jantado. Logo que adentrei em casa ouço minha mãe gritar: "tem vitamina na geladeira". Ai ai ai, eu não queria mais comer.... estava cheia, mas ela tinha feito vitamina para mim. Estava, então, instaurado um dilema. De meia-noite às três da manhã fiquei me preocupando se tomaria, mesmo sem querer, ou não aquela vitamina. No fim não tomei. Contudo, milhares de coisas passaram em mim até chegar-me a essa decisão. E até o momento sinto uma certa culpa por não tê-la tomado.
É bem verdade: as boas atitudes das pessoas para comigo me irritam. Prefiro não ter essa responsabilidade. Por favor, me tratem com distanciamento. Esquivo-me de ter que ser legal. Eu prefiro ver o mal em mim ao ver o meu mal repercutindo no outro.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Vai Passar - Caio Fernando Abreu

Vai Passar - Caio Fernando Abreu
Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca ...A personagem está sentada numa escrivaninha. A escrivaninha é muito velha, tem madeira lascada, riscada, manchada de muitas tintas. Falta a gaveta de cima. Pelo vão pode-se ver o que há no interior da segunda gaveta: uma garrafa de Pepsi-Cola vazia e um pedaço de sanduíche de queijo ou/e mortadela. Sobre o tampo, um maço de Hollywood pela metade e muito amassado, uma caixa de fósforos e um pires de cafezinho como cinzeiro. A personagem Lê um livro – de onde não consigo ler o título. A personagem usa tênis brancos (foram brancos), calças de brim azul, desbotado e sujo, um suéter amarelo de lã, esgarçado nos cotovelos. A personagem não olha em volta. Em volta, muitos moças & rapazes com pastas, falando alto (pode-se ouvir, nitidamente, a palavra “dialética”), supõe-se que sejam estudantes. Nas paredes vários cartazes. Num deles, pode-se ler claramente “Cultivar as Almas – ciclo de palestras filosóficas”. Em outro “Você na prévia”. E também: “Pela prática da Liberdade”. Por todos esse detalhes, se supõe que o cenário onde está sentada a personagem seja o diretório do centro acadêmico de alguma faculdade (mas de onde estou não consigo ver claramente). Há uma porta grande de vidro, semi aberta. Lá fora, às vezes chove, às vezes faz sol. Secas e molhadas, as pessoas que entram não param nem falam com a personagem. A personagem está vendendo alguma coisa. De onde estou não consigo ter certeza do que se trata. Mas parecem entradas, dessas para o teatro, cinema, música ou coisa assim. Ninguém pára. Todos falam entre si (pode-se ouvir, nitidamente, a expressão “contradição do sistema”), mas ninguém com a personagem. A personagem pára de ler e olha em volta para ver se está sendo observada. Lentamente. Depois introduz rápida o braço no vão da primeira gaveta (disfarçando com o livro) e, no fundo da segunda, apanha o resto do sanduíche (queijo? Mortadela?). Não vê que eu vejo. Então morde.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Partir

Hunnnnfffff!!!!!! Isso é um suspiro. Mas o que é um suspiro? Um suspiro pode ser tanta coisa. Pode ser desânimo, medo. Pode ser sinal de missão cumprida ou comprida mesmo. Contudo, esse meu suspiro, meio tolhido, meio travado é a expressão de como a vida sempre está pronta para nos provar suas reviravoltas. Eis um suspiro à vida.

Há alguns dias atrás tudo que eu mais queria era ter certeza de estar fazendo a coisa certa. E eu parecia estar. Sentia-me segura da decisão. Mas tudo estava assim... ruim. Tudo estava insosso. Por isso a decisão parecia estar certa. Mas, agora vejo tudo se tornar bom. Um desabrochar de dias áureos. Ah exagero!!!!! Bom nada, porém melhor que antes e predestinadamente a ser melhor.

E agora torço para ter um dia-a-dia ruim. E até tenho de certa forma. Mas quero ter certeza de que devo ir. Entende? Sabe, a única coisa que gostaria de ter um dia era certeza. Certeza de que faço errado, ou de que faço certo. Certeza de que o mundo é assim mesmo e eu estou nele por pura certeza do destino.
Hunnnnffffffff!!!! Mais um. É, cheguei ao fim. Letargia.

domingo, fevereiro 04, 2007

Sobre a ausência

Sabe, eu já não me reconheço mais. E não estou sendo exagerada. É assim, simplismente assim, isso de não se reconhecer. Dizem que nos reconhecemos através dos outros. Mas, por onde andam os outros? Descobri-me só nesse último mês. Os problemas diários afastam uns dos outros. Não é? Você pode me dizer? Comigo é ao contrário. Quero tanto compartilhar meus problemas, mas esses, os outros, já têm problemas demais para ouvir e entender os meus. Mas eu tenho problema demais para ficar com eles só para mim. E não estou me esquivando de saber dos porblemas alheios, eu só queria que compartilhássemos, todos nós, como já foi um dia. Sinto saudades.
Saudades do amigo louco desconstrutivista e da amiga que parecia sempre tão serena, de boa família e bom namorado, boa feição, mas que carregava em si a infitude existecial. E tinha também aquela cuja a vida não facilitara a existência, mas que o ardor era pequeno demais diantes às responsabilidades, e nem assim, deixava de conservar aquele olhar estrelar e um sorriso terno. Como não dizer do menino recolhido em seus poemas e em suas mulheres, cantando a amizade e ensinando a simplicidade tal qual lhe havia ensinado Vinícius de Moraes. Há ainda o de alegria contagiante e expansividade comedida, não ocultando em seu humor o lirismo de viver uma vida pautada em trabalho e digna de um grande sonhador. E tinha aquela menina pueril que se transformava a cada estação, e que se apaixonava também a cada estação.
E havia o tempo. Havia um lugar. Um mesmo desejo. Uniram-se como que literáriamente. E separaram-se como que humanamente.