quarta-feira, setembro 28, 2005

Hilda Hilst

Há dias em que tudo parece fazer sentido. Em que o simples caminhar enquanto ler poemas faz com que tudo se apresente de uma maneira extremamente gratificante.
Há alguns dias tenho me redespertado para poesia. A poesia sempre esteve muito presente em minha vida, em tudo que faço. Mas houve um breve período de latência. E esse acordar permitiu-me conhecer uma grande poetisa, que a mim já havia sido apresentada no ano passado, mas que por um certo tempo foi ignorada. Meus olhos no momentos estavam voltados exclusivamente para Paulo Leminski. Passado o estado febril da novidade, e a sede e a curiosidade estando praticamente saciadas, enveredei-me para os poemas de Hilda Hilst.
Surpreendi-me. A cada poema lido aumentava mais e mais minha ânsia pela leitura. Devorava páginas e páginas. Profunda e suave ao mesmo tempo. Complexa. Mas não me fazia sentido lê-la em silêncio. Em mim exteriorizava um profundo desejo de sentir a poesia em texto (interpretação), e também em sonoridade (sensação). Seria como explicar o inexplicável. Apenas leiam.



Que dor desses calendários
Sunidiços, fatos, datas
O tempo envolto em visgo
Minha casa buscando
Teu rosto reversivo

Que dor no branco e no negro
Desses negativos
Lisura congelada de papel
Fatos roídos
E teus dedos buscando
A carnação da vida

Que dor de abraços
Que dor de transparências
E gestos nulos
Derretidos retratos
Fotos fitas

Que rolo sinistro
Nas gavetas
Que gosto esse do tempo
De estancar o jorro de umas vidas

Hilda Hilst

terça-feira, setembro 27, 2005

Lua

Alguma coisa paira diferente sobre o hoje
A noite que tantas vezes a mim me serviu
Não deixa um instante de me acusar
Andava tranquila, a passos curtos e sóbrios
Pôs-se a iluminar-me
Essa lua não mais dos amantes

______________________________


"O que faço de bom, faço malfeito
Pouco artificial quando sincero
Mera falta de jeito para viver
Sou a filha predileta do defeito"

Martha Medeiros

domingo, setembro 25, 2005

Isso disso!!!

Ânimo...

As coisas vão acontecendo de forma tão diversas que ainda são capazes de nos surpreender. Dia pós dia. Pessoas que vem e que vão, que estão e que são. Algumas que nem conhecemos, mas que nos modificam, nos surpreendem..
Olhar pela janela de um prédio é com certeza algo bastante poético. Vidas... acima, a baixo. Cores diversas, movimentos equilibrados. Interessante o acender das luzes, o apagar das TVs... o fechar das janelas.



"O caminho é este
Tem pedra, tem sol
Tem bandido, mocinho
Tem você amando
Tem você sozinho
É só escolher
Ou vai, ou fica
É só escolher

fui"

Martha Medeiros

quinta-feira, setembro 15, 2005

Alguma coisa

Alguma coisa em mim quer gritar, quer ousar.
Alguma coisa em mim quer surpreender, quer mudar.
Alguma coisa em mim quer se entendida.
Alguma coisa em mim quer ser paixão.
Sou incompreensível a mim mesma.
Existe algo que me sufoca, algo que não tenho coragem suficiente para dar vazão.
Sou um ser intermediário, entre a agonia e o impulso, entre a tristeza e o desejo.
Aperfeiçoo diariamente a preguiça e o medo.
Tenho bons amigos e os admiro.
Tenho uma boa família e uma boa morada.
Sou simples e feliz, na maior parte do tempo.
Sou constantemente chata e excessivamente insaciável.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Boa Noite

Já havia escrito um texto para o dia de hoje. Mas algo me foi maior. E novamente senti vontade de escrever.
Porém, pretendo escrever algo bem mais impessoal. Não pensarei previamente sobre o que vou dizer. As palavras virão e as colocarei, assim como as sinto.
Ouço no instante Lenine - O silêncio das estrelas.
Estou extremamente com sono. Bocejo a cada minuto. A cada bocejar uma lágrima me escorre.
Ao som dessa música, cada lágrima minha parece ser o maior acontecimento do momento. Senti-la é tudo que tenho aqui nesse instante. Ouço a música, que fala sobre solidão. Sinto a lágrima que me remete a essa solidão... tão agora... tão certa...tão bela.
Tenho feito da solidão uma alegria. Embebedar-me dela parece natural.
A lágrima... já ia me esquecendo. O seu tocar em meu rosto. Tão leve. Leve o bastante para ser sentida enquanto leveza. Pura.
Escorre... e assim permito que faça.
A música terminou. Invade o silêncio. Percebo que já é a hora de ir deitar-me.
E assim voltar-me com mais detalhes para a lágrima.
Ah! Se vocês soubessem por onde tenho andado.
Alguns dias atrás segui um olhar.
Na semana passada percorri por ruas pares.
Hoje andei contra o vento.
No dia de folga voltei-me ao céu. Subi na torre que fica ao norte da cidade, mas não consegui apanhar pedaços de nuvem.

Vaguei por rostos. E que assombro. Apaixonei-me segundo a segundo. Olhar a olhar. Cabeças baixas. Olhares rápidos, desviados, encarados. Expressões.
Paixão. Intensa.
Descobri agudos. Suspirei por graves.
Ouvi suaves toques.

Perâmbulo de lado a lado. Buscando a fôrma. A fôrma que me daria a exata forma.
Oh! Percalços sem sentido

quinta-feira, setembro 08, 2005

Como não dizer?

Como não dizer sobre sua boca.
Seria pecado ausentar-me de tal feito.
Ao olhá-la a tempestade de pensamentos me inunda.
Como os maiores poetas já descreveram uma boca? Seria alguma, ou todas, dessas descrições suficientes para apreender seus lábios.

Mesmo eu poderia ousar a dizer algo?
Eu que nunca a senti. Que nunca a ouvi. Que apenas a vi.
Apenas admirei, de longe.
Lábios macios. Carnudos.
Imensuráveis os prazeres que me despertam ao fitá-los.
Vermelhos. Perfeitamente recortados no conjunto extraordinário, entre olhos e nariz.
Suave e ousado.

Não há como não voltar meus olhos a essa boca.
Que me chama.
Que me provoca.
Que não me deixa dormir.
Senti-la em segredo é tudo que posso.
Tocá-la em sonhos.

Beijá-la sob a chuva. Beijá-la de manhã, com gosto de leite.
Escapa-me
Beijo de Bom dia. Beijo de Boa Noite. Beijo de algria ou beijo de consolo.
Beijo no escuro. Beijo na madrugada. Beijo de boa viagem.
Beijo de conforto. Beijo mal-humorado.
Escapa-me
Beijar-te a exaustão. De leve. Com lábios. Com a língua. Com toda a boca.
Beijo puro. Profano. Endiabado. Poético.
Escapa-me.

Por quantas bocas hei ainda de percorrer até encontrar-me com a tua?
A quantos precipícios estarei a me atirar na busca desenfreada por teus lábios?
Quantas outras bocas suportarei em ver tocando essa que hoje a mim me encanta?
Não precisas me responder.
Basta beijar-me.


____________________________________________________
***

Senti-la ao som de "Memory Lane" de Elliott Smith é tudo que não posso ter nesse instante.

Por onde???

O sol brilha. É claro!!!!
No tapete fotografias. No tapete uma taça. Um vinho. Uma companhia.
No rádio uma canção. Uma melodia suave. Em um volume bem sintonizado.
Sobre a perna suas mãos. Leve. Macia. Pesada. Acariciante.
Pelo ar, palavras. Soltas. Coerentes. Sinuosas. Delirantes.
Pela janela, a brisa. A acalmar... refrescar... tocar...

Foi assim aquele dia... O dia em que conheci você..
A paz de sua companhia refletia no fervor de meu sangue.
A temperança do seu olhar invejava a rispidez do meu desejo.
Seu controle me descontrolava.
Não havia maneira de lhe despertar.
Chamar-lhe atenção foi o que me pareceu de mais ousado.
Balbuciei. Suspirei. Levantei o tom.
Pensei ter-te em minhas mãos. Em vão.
O silêncio do céu era o seu silêncio.
Não precisava de voz para estar.
Bastava estar.

terça-feira, setembro 06, 2005

Sobre o Tempo

E é mesmo assim?
Acordei com essa louca vontade de não ter mais certeza. Estou até me lembrando de Clarice Lispector.
Mas tudo bem... Estou cansada. Cansada de arder os olhos. Cansada de sentir os olhos pesados, de sentir um pesar de ombros...
"Mas seus ombros suportam o mundo?"
Não hoje...
Não nesse instante.
Estou prestes a entender.. estou quase chegando a maior dúvida esclarecedora da certeza mais verdadeira que se poderia obter depois de empreendida a jornada da alma.
Minha alma? Há nela um buraco.. do qual não posso AINDA precisar a dimensão. Mas sei que há.
Percebo que não há em mim nenhum instante em que não me remeto à pensar sobre o tempo.
Imperará sobre mim a lei do anacronismo.. do atemporal.
Direi não às horas...
Aos minutos
Aos segundos
Ao breve.. ao lampejo..ao acaso..ao eterno
Soterrarei o instante.
Subverterei os presságios.. e as certezas.
fidelidade agora só aos desejos.